MENINO ARTESÃO
Rangel Alves da Costa*
Levantou cedinho e naquela manhã bonita resolveu não ir para o mato colocar arapuca pra pegar passarinho, comer araçá catando no pé, trepar em umbuzeiro nem em goiabeira. Não iria derrubar fruta de vez com peteca naquela manhã não. Iria apenas tomar um banho no riachinho e pronto, e já se dava por satisfeito porque tinha pensado em fazer uma coisa diferente naquele dia.
O que o menino estava atinando fazer naquela manhã, que deixou de lado as traquinagens e os sabores dos frutos do mato em nome de uma coisa diferente? Deveria ser realmente uma coisa muito importante, pois o que mais Zezinho gostava de fazer no mundo era viver ao seu modo das cinco até as sete da manhã. Acordava quase de madrugada para viver esses momentos só dele e nada nesse mundo poderia afastá-lo desse cotidiano maravilhoso de menino de cidade pequena, do interiorzão de meu Deus.
Um pouquinho mais tarde, assim que voltou do banho, ficou matutando no que iria precisar para levar adiante seu intento. Assim procurou em casa por agulhas, dessas bem grossas que o pai usava para costurar boca de saco de estopa e dar pontos em gibões e estribos; saiu catando e juntando pedaços de couro; foi na casa de um tio pedir um pouco de verniz e acabou trazendo também um rolo de linha grossa; conseguiu arranjar cola de madeira, de papel e de couro; arranjou uns pedaços de tábuas, compensados e ripas; catou pregos, alfinetes e parafusos pelos quatro cantos, e foi juntando tudo num quartinho nos fundos da casa onde costumava brincar. Ainda faltavam mais coisas, muito mais fiapos, farrapos e outros objetos, mas logo encontraria tudo que precisava.
O quartinho parecia mais um depósito de velharias, de restos de tudo um pouco. Mas se fosse dizer isso a Zezinho ele ia ficar com raiva e logo perguntaria se não estava vendo que aquilo ali se tratava de uma oficina para fazer artesanato, uma única peça, mas que seria uma criação artesanal jamais vista, a mais bonita e mais importante do mundo.
E durante o dia inteirinho Zezinho se isolou no quartinho levando adiante seu plano, fazendo seu trabalho no ofício sempre bonito do artesão. Seus pais ficaram logo preocupados com o comportamento do menino, pois aquele danadinho não era criatura de ficar quieto ao menos por dois minutos.
Passar hora e mais horas e nada dele sair daquele cantinho era muito estranho. O pai foi até lá e, espantado, percebeu que ele estava muito ocupado e concentrado no que fazia. Resolveu não perguntar nada nem implicar com o que ele estivesse fazendo. Benza Deus!, foi o que disse consigo mesmo.
Já a mãe mudou de cor quando viu o filho tão sorridente e contente com o que fazia. Mas será o impossível, indagou silenciosamente. Mas também não fez perguntas nem quis se enxerir no trabalho dele. Mas que era estranho era. Contudo, já que resolveu trabalhar tanto, então era só esperar o resultado. O que fez foi levar uma comida quentinha. Com as mãos muito ocupadas, ele apenas pediu que ela deixasse em cima de um banquinho.
E durante todo o dia o menino mediu, puxou, cortou, pregou, coseu, desfez, aparou, barulhou, fez silêncio e depois deu um sorriso e se deu por satisfeito. Enfim, terminou sua grande obra e depois saiu fora do quartinho, olhou para o céu ao entardecer e disse:
"Venha ver, meu Deus, também construí um mundo como acho que ele deveria ser. Ele é lindo igual ao que você criou. Só que o meu ninguém vai destruir como querem fazer com o seu, porque o mundo que construí é meu, é meu mundo; e não como o seu, que as pessoas destroem porque acham que não é de ninguém".
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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