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sábado, 25 de setembro de 2010

TEMPO BOM: JUVENTUDE (Crônica)

TEMPO BOM: JUVENTUDE

Rangel Alves da Costa*


Lá pras bandas de onde vim, num sertão de distância sem fim, menino que atravessava a cancela da mocidade e entrava na juventude já estava rapazinho feito. Igual a coisa adquirida, para funcionar como se espera o jovem tem que ser montado peça por peça, juntando cada pedaço segundo o manual da vida, para somente assim caminhar pela estrada. Se enguiçar no primeiro atropelo, dá pra coisa ruim, com certeza.
Não se pense, seu moço, que a juventude que trato aqui é a mesma mocidade que tratei ali, não é não. Do mesmo modo que disse que a inocência antecede e invade a infância, o mesmo posso dizer com relação a esta e à mocidade, e ainda esta perante a juventude. A infância vai abrindo as portas da mocidade, que é a fase onde a criança começa a querer ser adulto, agir como adulto e pensar como tal, para arrefecer nos seus ideais somente quando chega ao patamar da juventude.
Nesta fase, aí sim, há uma tomada de posição mais realista perante a vida e diante dos objetivos e compromissos que se assume e se tem. E é por isso que surgem as muitas e muitas dúvidas, os inconformismos, as percepções revolucionárias sobre a realidade e a vontade de querer mudar o mundo num toque de dedo.
Eis a juventude, como o real posicionamento do indivíduo no mundo, pois já responsabilizado moral e eticamente por suas ações. Mais tarde estará também apto para todos os atos da vida civil e ser objeto de deveres na seara jurídica. Sobre si recai os olhos da sociedade e do dever-ser.
Quais seriam, então, os sinais da juventude. Hoje em dia é difícil de apontar sinais característicos e de delimitar as ações dos jovens, vez que muitos deles enveredados por caminhos tão nebulosos que nem se enxerga o que fazem, o que pensam, o que dizem. Sendo assim, certamente essa névoa triste deixará visível alguns aspectos negativamente relevantes.
Haverá, pois, o descontrole da sexualidade, com o total desrespeito pelo corpo e pela honra própria e familiar; o uso de drogas, que desde mais cedo já começou a se fazer presente nessas frágeis vidas através do álcool, da maconha, da heroína, mas principalmente da força avassaladora e destruidora do crack. A ilicitude torna-se uma constante como se o sabor do erro fosse o único apetite da vida.
O menino que queria ser médico ou doutor de qualquer coisa agora não está nem aí para os estudos. Mente para os pais e para todos, e ao invés de ir estudar vai se encontrar com a turminha ou gangue para usar drogas, praticar assaltos, fazer badernas por onde passar, levar uma vida com todos os desregramentos possíveis. Infelizmente, isto também se pode dizer com relação à mulher, que pretendendo acompanhar os modismos, logo se revolta com a situação financeira da família e então começa a trilhar pelos caminhos da prostituição, das drogas e do crime.
Felizmente ainda há uma grande parcela da juventude que pode ser caracterizada como sadia, como imune às tentações das más companhias e dos problemas que elas trazem. Consegue vencer os desafios porque tem olhos para as boas ações, para a tomada de atitudes corretas, para os sonhos que busca concretizar. Vive o seu tempo progredindo porque respeita os seus limites e com obediência às regras mais elementares da boa conduta.
Não é difícil de se ver um bom livro perto desses jovens, um bom pensamento povoando suas mentes, uma preocupação maior com os estudos, com a formação e com a vida futura. Não é uma juventude pautada pelas baladas, pelas noitadas, pelas fumaças e fumacês, pelos nós e pós. Não há nenhum santinho, mas também não se verifica tamanha promiscuidade.
Digo isso dos tempos modernos, que são os tempos vividos e que não podem deixar de servir como exemplo, até mesmo para servir como noção comparativa com os tempos passados, com os anos idos, com uma vida muito diferente da de agora. Contudo, o que há se deixar bem claro é que a juventude de hoje não é o vinagre que foi vinho ontem. Pelo contrário, a faixa etária continua a mesma, o que se pode apontar como diferenciais são os comportamentos, a forma de vivê-la e o compromisso de construção da identidade que se dá a essa fase.
Duvido que a juventude de ontem não tivesse abominado certos modismos que se verifica hoje. Dançava-se coladinho rosto no rosto sob a meia luz dos grandes salões cheirando a perfumes. Para os mais despojados um som autêntico de discoteca, com direito a cabelo cumprido e calça de boca de sino.
Não, seu moço, não se vivia ouvindo nem atrás de baianadas, "rebolations" e sem-vergonhices. Talvez houvesse uma diferença entre Cely Campelo e o seu Estúpido Cupido e tanta estupidez que se ouve hoje. Era uma rapaziada admiradora de Roberto Carlos, Paulo Sérgio, The Fevers e outros. "Se você pensa que meu coração é de papel...".
Muitos não gostavam, é verdade, mas também não tinham o péssimo e vergonhoso gosto musical que demonstram ter hoje. Certamente poucos jovens se esfacelariam pelo dito sertanejo universitário – que de sertanejo não tem nada -, pelas baboseiras inaudíveis que são forçosamente ouvidas nas malas dos carros. Um aboio era verdadeira poesia musical diante dos "du-da-dá" que se tem de ouvir por aí.
Lembro muito bem que era um tempo de romantismo, onde se valorizava o encantamento produzido pela lua cheia e bonita; o cativante aconchego da pracinha e seu coreto; às sete horas naquele banquinho do meio, marcava um apaixonado; vou deixar um bilhete embaixo de uma pedrinha lá naquele banco da esquina, dizia outro. Hoje não, hoje a gente não pode se encontrar não porque mamãe vai trazer Paulinho pra brincar com o velocípede na praça, segredava a bonequinha sertaneja, linda como a flor mais flor.
Tudo era motivo bom. Uma ânsia danada para os encontros depois da aula; os bailes organizados pelas turminhas; as briguinhas de Maria e Joana por causa do bonitão, todo de calça lee americana e mais uma especial, com uma nesga em xadrez, que era para os dias de festa. Paulo e João também andaram às desavenças por causa de Luísa. Mas diziam que ela gostava mesmo era do tímido Jonas, só porque ela pegava uma folha e ia bolando rimas apaixonadas com o nome dela.
Talvez Tavito tenha razão. No sertão de onde vim também tinha uma Rua Ramalhete, tão encantadora quanto a música:

Sem querer fui me lembrar
De uma rua e seus ramalhetes,
O amor anotado em bilhetes,
Daquelas tardes.

No muro do Sacré-Coeur,
De uniforme e olhar de rapina,
Nossos bailes no clube da esquina,
Quanta saudade!

Muito prazer, vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você
tremer dentro do vestido,
Vamos deixar tudo rolar;
E o som dos Beatles na vitrola.

Será que algum dia eles vêm aí
Cantar as canções que a gente quer ouvir?

E digo mais: será que erramos tanto, por viver tanto e tão plenamente nossa época, que os nossos exemplos servem como contramão para o que fazem hoje? Mas deixe isso pra lá, pois a culpa foi só nossa, que um dia teimou e insistiu em fazer tudo aquilo que docemente cabia a uma juventude sadia fazer. Estrategistas ao extremo, até na religião buscávamos nossa base de ação mundana.
Verdade é que nunca se viu uma juventude tão católica, tão devota e chegada às coisas da igreja como naquela época. É certo que a maioria dos jovens nem chegava a entrar na igreja, mas também é verdade é que não saiam dos arredores enquanto as mocinhas passavam acompanhadas de seus pais ou quando retornavam.
Não queriam saber nem do sermão nem da família em devoção, mas sim do olhar trocado naqueles preciosos instantes. Bastava um olhar e pronto. E já marcavam o encontro, o local e a hora. Os mais atrevidos chegavam mesmo a assistir a missa e ficar bem no banco de trás onde sua pretendente estava sentada. Daí era fácil entregar cuidadosamente o bilhetinho na mão esquecida que se estendia para trás. Não era pecado não, era amor mesmo. E que amor mais bonito, mais sincero, mais verdadeiro e jovem.
Linda juventude, ou como diz a poesia cantada de Flávio Venturini, "Nossa linda juventude, página de um livro bom. Canta que te quero cais e calor, claro como o sol raiou. Claro como o sol raiou. Maravilha, juventude, pobre de mim, pobre de nós. Via-láctea brilha por nós, vidas pequenas da esquina".
Linda juventude para os que realmente foram agraciados por Deus ao viver uma juventude digna de ser reconhecida e lembrada com mil saudades. Porque o tempo passa e tudo se perde numa via-láctea, e muitos dos jovens de hoje em dia não passam de vidas pequenas da esquina. Sem nenhuma via-láctea, sem um brilho sequer...



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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