SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 28 de setembro de 2010

TEMPO BOM: E COMO SERÁ A VELHICE? (Crônica)

TEMPO BOM: E COMO SERÁ A VELHICE?

Rangel Alves da Costa*


A vida nunca é tão dura e difícil que as pessoas não desejem ardentemente chegar à velhice. É propósito de cada um caminhar em cima de pedras, enfrentar as tocaias e trincheiras, pular as barreiras, ser mais forte do que o frio e o calor, suportar a fome e a desesperança, somente para chegar mais adiante e viver esse percurso final da existência. Para muitos, apenas passagem para uma nova infância.
A infância olha para a velhice e pergunta se vale a pena um dia ter tão majestosamente vivido, entre doces e brincadeiras, para mais tarde ter que se contentar com a fragilidade e a incerteza e, muitas vezes, com a solidão, o abandono e a tristeza.
A juventude olha para a velhice e pergunta se as lições juntadas naqueles anos todos e tantos ensinamentos aprendidos não servem para aumentar a certeza de que pouco valeu a pena ter lutado tanto, suado tanto, se desgastado tanto, para guardar como relíquia de toda a existência somente um documente dizendo que é maior de 65 anos e que, por isso mesmo, tem alguns direitos e prerrogativas.
O adulto só olha para a velhice porque ela está sempre à sua frente, como que perseguindo e chamando. E, sem saída diante daquele espelho amarelado e envelhecido que parece ter a sua feição, é forçado a perguntar se a experiência adquirida não foi suficientemente aprendizagem para que transforme esses momentos de ilha num carrossel de coisas boas, alegrias e realizações que justifiquem a velhice como um estado bom no corpo, no espírito e na alma.
Aquele que vive na trajetória final da maturidade e sem querer sua mão se estende para abrir a porta da velhice, não resta outra coisa a dizer senão pedir para entrar. O rosto e o corpo já com as marcas do tempo, os olhos sem o brilho de anos passados, os sonhos esquecidos porque não alcançados e desesperança brotando como tudo o que resta, certamente buscarão amparo naquela porta que se abre e uma voz há de dizer "entre". Sorte dos que chegam diante dela, dos que nela podem entrar...
A velhice mora numa casa horrível, num lugar esquisito, num mundo que praticamente não existe. Se existe é o que há de pior, mais aterrorizante, mais angustiante, infinitamente desumano. É por isso que quem olha para a velhice sempre vê uma só coisa na morada e no morador. A estrutura caindo, as paredes sem cor, as portas abertas, sinais de abandono por todos os lados. Quem não conhecesse a velhice e não soubesse que ela morava ali diria que escombros escondem restos de qualquer coisa.
Que mundo esquisito é o mundo que ronda, onde se sustenta e acolhe a velhice. É feio e escurecido, é desolado e repugnante, é de paisagem e habitante mais parecendo com a descrição feita por Dante na sua "Divina Comédia":
"Para descrever com clareza o que vi, direi que chegáramos a um campo deserto sobre o qual planta alguma vegetava. De um lado cercava-o a selava de braços dolorosos; do outro, tal como a própria selva, era cingido pelo rio de sangue. (...) Alcançamos um local estreito, de outra ponte sendo o firme esteio, já dentro da cova seguinte. Ouvíamos lamentos doloridos dos reclusos na cova segunda, os quais, bufando fortemente, com as mãos a si mesmo fustigavam. Eram as ribas encobertas por feia e negra pasta, que aos olhos horroriza e ao olfato nauseia, produto do condensar-se do hálito dos condenados. O abismo é tão fundo que, para vê-lo, não basta fixá-lo sem subir ao ponto onde o arco mais se alteia".
Infelizmente, não é esta a visão que se tem da velhice, como uma coisa horrenda, infernal e, por que não dizer, gestação nos que não são humanos? Assim, é a visão da moradia que se tem da velhice: restos de um casebre, ladeado pelas maiores misérias do mundo e com um morador que não foge a tais características. Inútil humano, inútil ser, imprestável até na visão dos que precisam enxergar paisagens que justifiquem a infelicidade.
Como ensina a vida no seu rosário de lições, mesmo sem querer o homem vai se cansando pela estrada que acostumou a andar e procura uma vereda onde tem uma árvore imensa e sombreada para descansar. E os passos que seguiram por tal vereda noutro lugar não vão dar senão nas circunvizinhanças do reino da velhice, nos arredores do império dos idosos. E não há volta. Ou se luta para ser rei de si próprio ou se escraviza para um fim mais doloroso ainda.
Ao colocar a mão na cancela da morada da velhice e os olhos cansados se certificarem de que ali é o único paraíso existente, o homem vai caminhar mansamente até a frente da casa, se admirar com aquela nova e estranha construção, no entanto saberá que a partir de então ali será sua moradia.
E vai entrar, vai procurar matar a sede e descansar, e depois vai dizer a si mesmo que era melhor ter ido por outro caminho. Até se acostumar com o peso dos anos e suas consequencias, muita vontade terá de voltar para seguir por outro caminho. Enfim, será tarde demais...
Assim, nessa paisagem triste é onde mora o velho e a velhice. Contudo, quem olha de fora e se assusta com a visão, nem imagina que o habitante daquela casa nem sempre é pessoa que se entrega às dores do tempo, se fecha em tristezas e contrariedades e vai semeando coisas ruins para depois estar reclamando da vida que tem. Não; pelo contrário.
Morador existe que, mesmo a fachada da casa continuando com aspecto feio e desolado, lá dentro é feita uma reforma geral, uma limpeza total, e o que era somente bagunça e abandono de repente se transforma em algo bonito, confortável e convidativo. Nisso a prova de que a velhice é também reconstrução, inovação, alegria, prazer em viver e bem-viver.
De repente, passando no lugar nas andanças para caçar passarinho, o menino se vê diante da casa da velhice e se assusta, e logo quer correr para longe dali. Afinal, quem é que não tem medo da velhice, pensa ele. Mas para e fica diante da casa imaginando e nem sabe o que está acontecendo lá dentro. Ai se soubesse!...
Venha sonata e valsa que ela quer dançar; nem venha tristeza que ela não está; dança ao som do vento e estonteia o tempo que foge espantado; solta a voz em duas notas e chama os passarinhos para a orquestra que não quer parar; e o vento vem, a brisa chega, as flores do jardim invadem e toda a natureza quer chegar mais perto para brindar aquela estação...
Onde está minha roupa bonita, novinha e perfumada, quero passear? Minha bola, meu boné, minha raquete, minha pochete, meus óculos de praia onde estão que quero passear? O poema que escrevi onde está, onde estará o meu amor, minha alegria, tudo que quero agora onde está? Vou encontrar o sol, vou encontrar a praia, vou encontrar meu amor, vou encontrar a noite, falar com a lua, brincar com as estrelas, jogar pedrinhas no espaço, dá língua para as horas, chamar o tempo de bobão. Vou viver...
A velhice, pois, é estação da vida onde tudo que brota é de plenitude. Maior conhecer a vida, maior sede de vivê-la e maior ânsia de fazer aquilo que o passado não deixou e que agora a experiência e a sabedoria permitem. Por isso é que a felicidade é tão autêntica que não pede para se manifestar além do que seja necessariamente permitido viver. Daí o violino e canto, e passo e aço, nessa vida que se espalha no seu compasso...
Ainda que chegue a saudade, que a alegria não seja infinita, que o dia amanheça e a noite venha, e em tudo o tempo e o tempo, ainda assim a velhice que está por trás daquela fachada é mais feliz do que os mais jovens possam imaginar. Isto porque, ao invés de envelhecer, a velhice decidiu que viver é muito melhor. E não nega sua idade, não nega seu jeito de ser, não nega nada, e ainda cantarola "Esses Moços" para todos que chegam pedindo conselhos sobre amor:

Esses moços pobres moços
Ah! Se soubessem o que eu sei
Não amavam..
Não passavam aquilo que eu já passei
Por meus olhos
Por meus sonhos
Por meu sangue tudo enfim
É que eu peço a esses moços
Que acreditem em mim
Se eles julgam
Que a um lindo futuro
Só o amor nesta vida conduz
Saibam que deixam o céu por ser escuro
E vão ao inferno
A procura de luz
Eu também tive nos meus belos dias
Essa mania que muito me custou
E só as mágoas eu trago hoje em dia
E essas rugas o amor me deixou!

Por que os jovens gostam tanto de ti, velho Lupicínio? Não morreste, ou coisas existem que não tem idade?




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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