SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 98

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 98

Rangel Alves da Costa*


Leu e releu a mensagem e depois guardou o velho escrito com palavras tão novas na estante, em cima dos livros. Deixaria em lugar de fácil acesso porque mais tarde voltaria a ler, pois o conteúdo ainda não estava claro em seu pensamento. Havia um certo enigma, um certo mistério que ainda não havia sido decifrado. Mas as palavras escritas são assim mesmo, como veredas em mata fechada que precisam ser encontradas. E depois disso voltou ao trabalho que ainda nem havia sido iniciado, que era limpar o mato que crescia ao redor.
Uns dez minutos após ter começado a arrancar inconvenientes raízes, galhos e ramos com o fio da enxada, eis que avista dois homens se aproximando pela estrada e em seguida chegarem até a entrada da propriedade, de onde gritaram pedindo permissão para entrar. Com a resposta positiva, se encaminharam até onde estava Lucas e um deles foi logo falando:
- Não se assuste não que estamos aqui em missão de paz, pois viemos somente dar um recado que mandaram pra você. É que o prefeito e o candidato a deputado dele desejam ter um proseado com você, querem falar com você como amigos e sobre uma coisa muito importante. Deixam você à vontade para escolher o local do encontro, mas pedem que seja o mais breve possível. Garantem também que querem resolver todas as arestas e acabar com todo mal-entendido entre vocês, já que não tem cabimento que se vejam como inimigos. E o que é que você diz sobre isso rapaz?
Lucas não teve nem tempo de pensar, pois as palavras com a resposta quase saem de sua boca até mesmo antes do homem acabar de falar.
- Tudo bem, não vejo nenhum problema em conversar e acabar de vez com isso tudo. Até já sei o que vou dizer a eles novamente, mas já que querem ouvir de minha boca, então que seja assim. O encontro pode ser hoje mesmo ali naquele barracão, às três da tarde. Podem ir avisar a eles.
E os homens retornaram no mesmo passo que vieram, satisfeitos porque iriam dar uma boa resposta aos patrões. Na verdade, estes não eram capangas do prefeito, mas homens da camaradagem do candidato a deputado, o pai de Ester, que certamente estaria sendo apoiado pelo mandatário do município. Os dois líderes políticos do município trabalhando unidos para enganar o povo mais uma vez e querendo a todo custo o apoio de Lucas.
Após o meio-dia, quando a tarde já começava a dominar as paisagens, de repente o sol foi se escondendo entre as nuvens e um cenário de chuvas começou a se manifestar. Quem olhasse para o alto e o horizonte mais adiante diria que não demoraria nem cinco minutos para os primeiros pingos caírem. Contudo, o tempo fechou, enegreceu de vez, porém nada de chuva. Relâmpagos cortaram o céu, trovões começaram a ser ouvidos, mas nada da chuva. E foi nesse contexto que chegou o momento acertado para o encontro.
Diante daquela mudança repentina no tempo, Lucas até pensou que o encontro seria remarcado. Mas não, às três e cinco, mais ou menos, um veículo surgiu na estrada em direção ao terreno. Eram eles que estavam chegando. Assim que parou próximo ao barracão Lucas se aproximou e foi logo dizendo que seria melhor que procurassem um lugar protegido porque a chuva já começava a cair naquele momento.
Não só veio a chuva forte e grossa, como aumentaram os relâmpagos e os trovões. Quem havia prestado atenção ao tempo pela manhã, com o sol escaldante, nem de longe iria imaginar que aquela verdadeira tempestade fosse surgir poucas horas depois. Mas se fazia forte e amedrontadora. E assim os três correram para dentro do barracão. Ali poderiam conversar à vontade.
Goteiras surgiam e de vez em quanto parecia que estavam lá fora. Então Lucas procurou um local onde parecia menos ameaçado pelos pingos grossos e insistentes em cair, bem embaixo da parte central do teto, de onde a cobertura de paus, ripas, telhas e folhagens se espalhava por todo o barracão. Colocaram-se ali, em pé, enquanto Lucas foi puxar três banquinhos. "Mas não precisa não, pois seremos rápidos e o que temos a conversar é melhor que seja dito e ouvido em pé mesmo. Mas é melhor que o futuro deputado comece a falar", disse o prefeito. Então este começou a se expressar sem rodeios:
- Amigo Lucas, já fizemos de tudo para obter o seu apoio e você sempre com essa intriga de menino que parece que não sabe o que é política nem os seus limites. Agora chega, pois é chegado o momento de você dizer que, com nossa ajuda financeira, vai transformar isso aqui numa coisa maravilhosa e num grande palanque, num verdadeiro comitê eleitoral de nós dois. Ouviu bem, de nós dois – E apontou para o prefeito -, pois se disser que não aceita sua irmã Lúcia vai ter que se despedir mais cedo dessa vida...
E nesse momento o teto desabou por cima dos três, com todo o peso e força.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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