Rangel Alves da
Costa*
O ano se
finda, muito do que restou ficou pelos cantos, muito do que se fez por certo
terá serventia noutro tempo chamado amanhã. É nesta simbologia de futuro, de
caminhada e construções, que o amanhã se impõe como esperança.
Ninguém
alimenta a esperança com restos passados, poeiras e traças. O que não pôde ser
descartado há de ser consumido pelo tempo e pelo esquecimento. Os acúmulos sem
serventia precisam ceder espaço ao que se deseja num tempo novo chamado amanhã.
Depois de
tudo, depois de passar o ano em meio a frestas de sol, sombras e escuridão, o
ano agora é como uma casa que vai sendo abandonada. Paredes nuas, baús
empilhados, janelas fechadas, na semiescuridão, logo a porta estará aberta para
o novo destino.
Não há
mais como continuar no mesmo lugar. Não é um desejo da pessoa, mas imposição do
tempo. Um ano se vai e outro começa a nascer. Ao romper da aurora a
desconhecida estrada já surge adiante. E é preciso seguir para fazer valer a
existência. Não o apenas existir, mas comprovar o porquê de estar aqui.
Hoje e
ontem resumem tudo o ano que vai chegando ao fim. Não adianta mais recordar a
bacia de lágrimas nem os lenços de tristezas. Não adianta mais relembrar as
tristezas e as insônias, as dores e os sofrimentos. Ora, se foi possível passar
ante os labirintos tenebrosos, então que se busque a melhor estrada.
E esta
estrada chama-se amanhã. Meia-noite e um segundo, primeiro dia do ano, nos dias
e meses seguintes, tudo será amanhã. Que não se procure imaginar como será
dezembro do ano vindouro, quais as conquistas desejadas ou as vitórias
alcançadas, mas apenas pensar em vencer cada dia, e desde o primeiro dia do
ano.
O amanhã
será bem melhor, assim o desejo de todos. O ano que se finda não merece, em
muitos aspectos, sequer ser recordado. Foi o ano de os tapetes serem revirados
e muito de seu lixo mostrar a sujeira de uma nação. Foi o ano da efervescência
dos lamaçais, das ladroices, dos atos de improbidade. Foi o ano do país
aviltado pela corrupção.
E também
foi o ano da desesperança, do medo, das perseguições. O ano do empobrecimento,
das dificuldades, da inflação acentuada, da carestia em tudo. Um ano de menos
comida na mesa, menos sonhos realizados, de sangria no bolso e na alma. Um ano
para ser rapidamente esquecido.
O amanhã
surge como uma dúvida. Não há nenhuma certeza do que acontecerá. Contudo, sendo
um tempo novo, há sempre a possibilidade de que os caminhos sejam menos
tortuosos e alguma felicidade permita sorrisos de contentamento.
Amanhã é
toda uma vida nova num ser que não existe somente para amargar sofrimentos. O
ser se alimenta de esforços, de buscas, de lutas, conquistas e realizações, mas
será preciso que o homem possa caminhar sem que seu passo seja negado pelas
tiranias alheias.
Amanhã é o
que o indivíduo deseja para si. Ele deseja viver, precisa abrir sua janela,
necessita do sol, do sonho e da esperança. O ser humano possui um destino que
não pode ser norteado por qualquer força humana, senão o dono do próprio passo.
Somente a ele cabe carregar sua cruz e plantar sua árvore. Colher o seu fruto e
viver.
Desde
muito tempo que o amanhã do homem não pertence ao homem. Alguns se arvoraram do
direito de tirar sua alegria, sua força de luta, sua promessa de vida, sua
expectativa por dias melhores. Roubaram seu amanhã e decretaram que a vida
seria de sofrimentos.
O homem
foi esmagado pela incúria de outros, dos poderes, dos governantes, dos
mandatários. Mas tudo foi ontem. Mesmo que ainda hoje persista, não haverá mais
lugar para imposições e submissões no tempo novo, no amanhã que já nasce. Para
si mesmo, o homem decreta a felicidade completa, incontida.
Porque
amanhã é dia de sol, é dia de sorriso, é dia de encontro, é dia de abraço.
Porque amanhã é dia de viver, de procurar e encontrar. Porque amanhã é dia de
flores no jardim, de frutos no quintal e pássaros à janela. E mesmo que a
tristeza chegue, logo será superada pelo encorajamento de todo amanhã.
Não será
preciso dizer feliz ano novo. Não será preciso adormecer para acordar no ano
novo. Tudo já se faz agora. Após a tempestade e os vendavais de agonia e
aflição, o homem não deseja senão abrir a porta e avistar a vida debaixo do
sol.
E lá vai
ele com a chave à mão em busca do seu mundo. Não sabe, porém, que a sua força antecipou
o tempo e o hoje já se faz amanhã. E, sem olhar pra trás, vai seguindo adiante,
vai sempre em frente. Que força e luz neste homem após um ano de escuridão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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