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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

AQUELES LOUCOS E SUAS FLORES


Rangel Alves da Costa*


A razão e a loucura estão no mesmo nível de consciência. Não há que se pensar diferente. A razão do suposto normal não é diferente daquele reconhecidamente louco. Tudo é uma questão de perspectiva social ou de conveniência. Mesmo não diferenciando aspectos como psicose de louco e psicose de normal, a ação do louco foi eleita como distúrbio mental e o ato insano do sadio não.
Neste sentido, atirar pedra é sinal de loucura, fazer caretas é comportamento de louco, conversar sozinho e assim se realizar é prova de insanidade, namorar a lua e se apaixonar pelo céu estrelado são sintomas de maluquice total. Tudo isso na perspectiva da sociedade dita normal e de pessoas que não conseguem avistar o outro senão pela imagem do próprio espelho.
E diz que o louco vive num mundo desconhecido e sombreado. E diz que o louco não pensa e nada faz senão maluquice. E diz que o louco está destinado ao seu mundo próprio, à sua irrealidade e à sua ilucidez. E diz que o louco é um doente que precisa ser evitado. Mas não diz que o louco é um ser humano que precisa ser reconhecido e a loucura é um estado mental que precisa ser compreendido.
E qual a verdadeira loucura do louco? Será que sua diferença, seu jeito peculiar de ser, de pensar e de agir? Ou será que por que vive num mundo tão próprio deva ser invejado pelos que vivem num mundo de ninguém? Sábias palavras daquele que disse ser o mundo da loucura a realidade de vida que todos desejariam encontrar, pois sublime, humana, encantadoramente bela.
Numa comparação com a normalidade dos seres, de longe a loucura seria a fantasia boa que todos desejam ter. Uma loucura sem maldade no coração, sem comportamentos voluntariamente doentios, insanos, nefastos. O louco real é a pessoa mais verdadeira que possa existir. E certamente muito diferente daqueles que se disfarçam de normalidade para transformar o mundo num leito de dor e sofrimento.
Mas não seria loucura a grande maioria das ações daqueles tidos como normais? Matar a sangue frio é um ato de normalidade? A intencionalidade da prática do mal não seria exasperação psicótica? Ferir o outro sem motivo algum é atitude correta? Tudo fazer e tudo buscar para prejudicar o outro e quando este sequer se preocupa com a vida daquele é sinal de comportamento sadio?
Indo mais adiante: o terrorismo é ato de consciência ou da mais pura e cega insanidade? Invadir uma aldeia de população empobrecida, sequestrar crianças e tirar a vida de quem se opuser à ação é revelação de ato racional ou de bestialidade psicótica? Governantes e ditadores que mandam dizimar opositores e até inocentes agem por alguma razão aceitável ou por covarde ensandecimento? Observa-se, então, que os verdadeiros insanos não são aqueles que sobem na pedra grande para abraçar o sol, mas aqueles que fingem ter consciência.
Pessoas sedentas de mal que agem por pura maldade nem sempre são reconhecidas como loucas. Pessoas que sempre fazem assim nem sempre têm os seus comportamentos questionados. Amolda-se à esfera da criminalidade, da desumanidade ou da tirania, mas nunca considerando a loucura em si. Significa dizer que atirar uma pedra é reconhecível como ato próprio de louco, mas atirar uma bomba que mate dezenas de pessoas é apenas uma questão de perversidade.
Parece ser uma questão cultural. E é mesmo. O que a sociedade elege como regra, tudo o demais será exceção e, quando não, defeito ou negação. Ao avistar o de juízo afetado, o outro logo cria conceitos, características, aspectos, e geralmente preconceituosos ou de desvalorização. Então visualiza uma simbologia enraizada no pensamento. E não se terá senão o louco como perigoso, como ameaça, como verdadeiro monstro e capaz das piores práticas.
Acaso alguém lhe pergunte se conhece aquele louco de perto ou se já tentou dele se aproximar para qualquer contato, certamente dirá que não. Verdadeiramente não conhece, mas as conclusões já estão tomadas. Revela-se então a cultura do ódio, do preconceito, da discriminação, da negação do ser humano, da desvalorização da vida. E assim acontece com os loucos da própria família. O problema não é a loucura em si, mas o estigma que se criou acerca desse estágio mental.
A simples noção de ato de loucura como antônima a ato de consciência já revela um prejulgamento. Ato de loucura é qualquer ato humano praticado além dos limites do razoável, enquanto ato de consciência é todo ato nascido de uma intencionalidade. Neste sentido, o praticante do ato de loucura jamais será o louco enquanto perturbado mental, mas sempre o ser humano visto como normal. E assim porque o louco não comete loucura, apenas vive o seu mundo.
E o seu mundo cabe todo e inteiro na sua inconsciência, que também é a mais pura das consciências. E assim avisto aqueles loucos com suas flores à espera da noite. Flores à lua, às estrelas, aos simbolismos tão belos no ser humano. E assim avisto os loucos com suas flores, mesmo que muitos imaginem sempre pedras em suas mãos.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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