Rangel Alves da
Costa*
O período
natalino sempre chega envolto a múltiplas simbologias. Além do nascimento do
menino na humildade da manjedoura, também o renascimento das esperanças. Uma
época de reflexões, de entristecimentos e alegrias, de reencontros e
revivências. Uma época em que os sentimentos são mais aflorados, as recordações
ressurgem com mais pujança e as promessas aliviam as angústias pelo não
realizado.
Certamente
um momento diferente na vida de cada pessoa. Dificilmente um ser humano que não
se sinta, um pouco mais ou um pouco menos, sensibilizado pelo clima próprio do
período natalino. As luzes, os enfeites, as canções e as expectativas de
confraternização, além do reencontro com o sentido da fé e da religiosidade,
tudo isso reflete no íntimo do indivíduo e quase sempre o torna mais humano,
compreensivo e afetuoso.
Mesmo que
o Natal de agora vá sendo vivenciado de modo muito diferente de outros tempos,
algumas características próprias desse momento continuam sendo observadas.
Diminuiu-se a significação religiosa advinda com a data, bem como seu sentido
de nascimento e renascimento da vida, mas o seu costume de confraternização
continua, mesmo que também em menor importância. Talvez muito mais pelo desejo
de se distanciar dos dias passados e reencontrar esperanças no ano vindouro.
Mas os
tempos estão difíceis e confraternizar implica em participar, em compartilhar,
em doar e receber. No mundo consumista como o atual, confraternizar não se
satisfaz com um abraço, com um reencontro, com sinceros desejos de paz, saúde,
felicidade. Requer muito mais. Sempre implica em muitos gastos, indo desde a
ceia aos presentes. Mesmo o bolso vazio e as contas em atraso, não há como
deixar de sentir necessidade de comprar um presentinho ou outro. E sempre surge
uma lista imensa de pessoas que merecem ser recordadas neste período do ano.
Ao pensar
em presentes, em roupas, joias, perfumes, tecnologias e tudo o mais, a pessoa
sempre imagina a outra pessoa se ajustando ao número, a forma ou a cor. E assim
porque as relações materialistas impedem pensar diferente. Dificilmente alguém
pensa em fazer diferente, em, por exemplo, presentear sem objeto de uso
pessoal. Presentear o amigo com uma muda de planta, com uma flor e não com um
buquê, um saquinho com sementes de árvores frutíferas, com uma fruta colhida no
quintal. Não faz assim porque o modismo irrompe como a negação dos sentimentos.
Daí a certeza que a pessoa presenteada irá gostar de um perfume e não de um
Salmo escrito à mão.
Nesta
perspectiva materialista, ou de puro capitalismo, as coisas simples e singelas
acabam perdendo significação. Na verdade, ou se atende às expectativas do
presenteado - que sempre deseja algum modismo utilizável - ou se corre o risco
de se arrepender por ter imaginado que a pessoa se sentiria feliz com um poema
escrito numa folha seca. A pessoa até recebe, abraça, diz que está muito feliz
pela lembrança, mas por dentro maldiz aquela infeliz ideia. Ora, queria um
smartphone de última geração.
Ainda
assim, qual o melhor presente de natal? Eis uma pergunta recorrente nesta época
do ano. Todos desejam presentear e ganhar presentes. Mais do que em qualquer
outro instante, o final de ano aumenta o desejo de ter e compartilhar um pouco
mais de alegria. E um presente, ainda que singela lembrancinha, sempre é
recordado como síntese de reconhecimento e amizade. Mas qual o melhor presente?
Depende de
quem vai receber ou da intencionalidade daquele que deseja presentear. O mundo
certamente amaria ser lembrado com um buquê de paz, de fraternidade, de afeto
entre os povos. A vida certamente se encantaria com uma prenda adornada de
respeito, de conscientização, de senso de preservação humana e ambiental. O
planeta agradeceria o respeito às florestas, às nascentes e aos leitos dos
rios, mares e oceanos. A existência humana se sensibilizaria em ser presenteada
com menos violência, menos sangue jorrando, menos mortes.
Como caindo
dos céus, verdadeira dádiva divina, o sertão nordestino se encheria de alegria
com menos estiagens, com menos sofrimento causado pela terra seca e a panela
vazia, com menos angústia pela moringa sem água e sem submissão às humilhantes
esmolas. E o sertanejo, cuja humildade o torna grato por qualquer atenção, se
encheria de orgulho e prazer acaso fosse presenteado com o devido respeito
pelas autoridades públicas. Não deseja receber além do que humanamente lhe é
devido desde os tempos mais antigos.
Pelo mundo
afora, onde crianças e velhos continuam morrendo sedentos e famintos, não
haveria presente melhor que o pão do hoje e do amanhã, e, mais que isso, a
contínua resolução de problemas que secularmente afligem tribos, comunidades e
nações inteiras. Os meninos de rua desejariam receber a rua como caminho e não
como cama e travesseiro. Os moradores de barracos de lata e papelão
demonstrariam um contentamento infindo acaso recebem mais que esmolas e
promessas: o direito à dignidade, e esta com moradia e emprego.
Aquele que
está no leito hospitalar ou na solidão de seu quarto, sempre sente uma simples
visita como o melhor presente do mundo. E tudo precisa de prece e de oração.
Uma invocação pelo homem e pela vida. Eis a mais bela flor que pode receber a
humanidade. E ela precisa demais de um presente assim neste Natal.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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