Rangel Alves da Costa*
O sertão é, verdadeiramente, a terra da boa
esperança. Por cima de sua terra, seja rachada de sol ou jogada semente, sempre
há uma promessa de dias melhores. Dentro de seus quadrantes, seja debaixo do
sol ou da lua imensa, sempre haverá um compromisso com a grandeza da vida. Na
humildade uma riqueza sem fim, no jeito simples de ser a verdade humana mais
pujante.
Natureza e homem vivem um só destino, um
mesmo desafio e uma mesma promessa. O homem serve ao meio e dele tira todo o
seu sustento, daí que o sertanejo cheira a terra, tem a fragilidade do velame e
a força do mandacaru. O bicho é amigo do homem e por este é preservado com
todos os meios e sacrifícios. Sofre a dor do animal padecente, chora a tristeza
da pele ossuda, tudo faz para que não falte palma, capim, um pouco de água.
Pelo trabalho incansável, o sertanejo é um
povo destinado à vitória, ao crescimento, à conquista. Contudo, a conquista
maior está na sobrevivência, na sombra entre quatro paredes, no pote molhado,
na moringa à janela, no fogão fumaçando o cheiro bom de qualquer comida. E
quando tudo falta, quando não há nem água nem pão, quando da porta adiante está
tudo cinzento e da porta pra dentro tudo é desvalia, então ele se renova na
esperança. Aprendeu que o tempo castiga mas não lhe retira o encorajamento e a
luta.
Não há nenhum povo que seja mais esperançoso,
mais confiante, que o sertanejo. Não há tempo ruim que lhe tire a fé que logo,
amanhã ou mais adiante, tudo será resolvido. Não há seca, sofrimento,
padecimento ou dor parecida, que faça o sertanejo desacreditar que logo a ajuda
divina chegará e uma chuvarada boa acabará com a aflição. Cada lar é um pequeno
templo, cada casebre uma moradia de santos e anjos, cada oratório um céu encantado
e com um Deus maravilhoso que sempre ouve a voz do necessitado.
Tanta esperança é fruto da profunda
religiosidade do povo sertanejo. Para muita gente – talvez ainda a maioria das
pessoas -, tudo é questão de destino, de desejo divino. Nada acontece sem que
seja com a permissão de Deus. Daí que a seca é um castigo que precisa ser
suportado para aumentar a fé, o respeito, fugir dos pecados. O sofrimento tem
de suportado porque assim o divino quis. Nada, absolutamente nada, deixa de ter
uma explicação divina. Daí ser o homem apenas um instrumento de sua vontade.
Suporta o sofrimento como destino do qual não
se pode fugir, porém vive apegado na certeza que Deus não quer o sofrimento de
ninguém. Por ser um Deus de bondade, então jamais descuidará dos filhos que
tanto padecem e que tanto sofrimento têm de suportar com a falta de água, de
comida, de terra molhada e planta no chão. Então a esperança nasce daí, dessa
profunda certeza que mesmo abandonados pelos homens não estão desamparados
pelas forças do céu.
É a fé, pois, que alimenta a esperança, e
esta acaba preservando aquela. Ninguém desiste da sorte porque a crença na
mudança não permite. Ninguém se entrega ajoelhado ao desalento porque confiante
demais na força da prece, da oração. Ninguém dá nada por perdido ou desiste de
lutar porque já entregou seu destino ao querer divino. E a força maior não
permitirá que o sofrimento se demore onde o contentamento é tão esperado. Assim
a fé do sertanejo, também a sua esperança.
E tantas outras coisas servem para comprovar
esse dom de perseverança, de autoestima e positividade mesmo diante das agruras
do dia a dia. Que alguém bata na porta de uma casinhola matuta e observe bem
como será recebido. Mesmo que a casa esteja com o barro da parede desabando,
mesmo que dentro não tenha sequer um banco pra sentar, mesmo que todo o
contexto seja de absoluta pobreza, ainda assim encontrará o sorriso largo. Que
não seja na expressão sorridente ao desconhecido, mas o coração festivo e
demasiadamente acolhedor.
Assim, não se pode negar que há no sertão e
no sertanejo os elementos essenciais para que sempre se reconheça uma terra da
boa esperança. Toda aquela vida se assemelha ao dia após o pingo d’água cair.
Durante muito tempo suportando as agruras da sequidão, o sofrimento da falta de
tudo e as dores do abandono, de repente a porta se abre para os sinais do
renascimento. Basta pouca chuva e tudo já começa a verdejar, a dar uma nova
feição às paisagens. Basta avistar a mudança na terra e o homem já se esquece
da sede de ontem.
Quando sobe aquele bafo quente, molhado,
tipicamente sertanejo, é como se sentisse o cheiro de pão, de cuscuz no fogo,
de café torrado. Dali da terra, através do plantio ou do trabalho, todo o
alimento da casa e toda a vida da família. E depois da chuva a certeza que Deus
ouviu suas preces e que um tempo novo chama à luta. Então limpa os ossos da
seca, prepara a terra, lança a semente e olha para os céus. Ainda não será
preciso rogar a Deus, apenas ter esperança.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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