*Rangel Alves da Costa
Com passos muito diferentes de antigamente,
ainda hoje Magnólia perambula pelos mercados da capital, de sacola na mão e
passo lento, comercializando umas poucas cuecas, bermudas, calcinhas. Afirma
que é desse pequeno comércio ambulante que praticamente tira o seu sustento,
mas quem a conhece diz que toda lucratividade é repassada ao seu “bofe”. Más
línguas, talvez, vez que a própria Maguí, como é mais conhecida, diz que já
distante vai o seu tempo de paixões e entregas.
Maguí acostumou com sua venda ambulante, uma
forma de se sentir encorajada a deixar sua humilde residência nas vizinhanças
do centro da cidade e caminhar pelos arredores onde, noutros tempos, muito
percorreu nas suas andanças noturnas, pelas esquinas, cabarés, inferninhos,
casas luminosas e até palacetes encantados. Num tempo onde o seu homossexualismo
aflorava e tanto espanto causava. Ser bicha - e assumida - era não estar só na
boca do povo como no olho do camburão. Hoje sobrevive mesmo de uma ínfima
aposentadoria.
O tempo transformou muito suas feições. A
opção sexual e suas consequências ainda num tempo de machismos perversos,
perseguições e violências, causaram grandes impactos em sua vida. Noitadas,
bebedeiras, as caçadas noturnas, o viver desregrado, dentre tantas outras
situações desgastantes, certamente provocaram cansaços, deterioração física, doenças.
Sem falar no peso da maquiagem escondendo a feição do homem um dia surgido e
deixando transparecer apenas a Magnólia. Ou a própria feição de uma Aracaju
antiga e sua sexualidade aflorada nos escondidos dos bordéis e meias-luzes.
Seu nome de batismo? Everaldo Alves Campos.
Sua idade está escondida na pesada maquiagem que ainda usa. Pouco importa nome
tão masculino se todo mundo só conhece a Maguí ou a Magnólia, ou aquela que um
dia, pelo porto de Santos, em São Paulo, se descobriu como verdadeira diva. E
ao retornar simplesmente se transformou no mais conhecido homossexual de
Aracaju. E nas suas recordações noturnas, jamais se esquece de citar que ainda
naqueles tempos era de rodo o número de viados incubados na capital, de paletó
e graveta.
Mas uma maldade sem tamanho foi perpetrada
contra Magnólia nos últimos dias: espalharam sua morte pelas redes sociais. E
espalharam de tal modo que só faltou indicar a causa mortis, o local do velório
e do enterro. Também seu retrato foi divulgado quase como um santinho de
despedida. Maguí não merecia isso, ainda que depois de tudo apenas sorrisse
pelo seu inventado defuntismo.
De qualquer modo, a mentira levada a efeito e
corrida rapidamente com manifestações impressionantes, demonstrou o quanto
Magnólia, a nossa Maguí, é querida pelos aracajuanos e pelos sergipanos, ao
menos por aqueles surpreendidos com a notícia. Num repente, e as mais diversas
expressões de pesar pelo falso acontecimento. Muitos até esboçaram curtas
biografias, relatando a sua fama nascida já desde os anos 60, ainda num tempo
onde o homossexualismo era quase visto como coisa do outro mundo. Também
citando os noturnos da capital, as boates e os negócios de esquinas e outras
vias.
E nos esboços biográficos logicamente que não
faltaram aspectos acerca de sua vida mais recente de vendedor ambulante de
calcinhas, calçolas, bermudas, cuecas e outras roupas de baixo. Sempre
maquiada, pacífica, amigueira, a Maguí sempre levando seu comércio aos mercados
e ruas adjacentes. Muitas foram às referências ao seu jeito simples de ser
depois do envelhecimento, mas também de quando era famosa na noite aracajuana.
Noites de Beco dos Cocos e tantos outros becos onde principalmente o
homossexualismo era para alguns poucos encorajados. A Maguí valente, da
navalha, do canivete, do enfrentamento de brutamontes e até da preconceituosa
polícia.
Mas também a Magui de agora, de rosto sempre
maquiado, de batom aflorado à boca, de lápis moldurado os olhos cansados, com
seu passo lento e sua mão levando a bolsa com os objetos que dispõe pra vender.
A Maguí que sai já perto do meio-dia de sua residência pobre na Rua Vitória,
extensão da Carlos Bulamarqui, e vem seguindo um tanto cabisbaixa sempre em
direção ao mercado. Cumprimenta todo mundo e por todos é cumprimentada. Todo
dia pode ser avistada assim passando, assim caminhando. Uma pessoa decente.
Em tom de brincadeira, muitos diziam que um
ou outro amigo naquele momento deveria estar enlutado pelo passamento daquela
que lhe serviu de companhia e travesseiro pelos cabarés de Augusto, dos
arredores do cemitério, do Ciganinha e tantos outros. A intenção era mostrar
que a mocidade de muitos teve o convívio furtivo da grande Maguí. Mas ela
sempre negou ser de qualquer um. Afirma até já ter ricaço caindo a seus pés,
muito poderoso apaixonado por aquela Elizabeth Taylor aracajuana.
E em tom de brincadeira repete que era
costumeiro perguntarem se entre as pernas ela tinha sexo masculino ou feminino.
Ao que respondia: “Pegue pra ver!”. Como diz o outro, Maguí é imorrível. E em
borboleta se transformará assim que der, verdadeiramente, o último suspiro.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Lamentável a sua morte, pioneiro do movimento homossexual em Aracaju. Alguém sabe informar a naturalidade dele???
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