Rangel Alves da
Costa*
Por mais
que a vida seja dada com toda inteireza ao ser humano, impossível que este a
aproveite completamente. Faz imaginar que a existência vai, aos poucos,
perdendo seu real sentido de ser.
E assim
acontece. Imperceptivelmente a vida esvai, lentamente tudo se prostrai, e de pó
a pó o cume se desfaz e surge um deserto de penúria e tormento. Por que a
essência se torna aparência, e se por fora brilha por dentro se apaga.
Como numa
colcha bem trabalhada, devidamente costurada para os enfrentamentos dos usos, a
primeira linha vai se rasgando, depois o tecido se desgastando, até surgirem as
imperfeições. Assim também na vida humana.
A verdade
é que o homem também foi feito ao uso, ao desgaste, ao definhamento. Por mais
que lute para continuar com o melhor de sua essência corporal, sua força e
vitalidade, logo ele estará se ressentido das fragilidades tão próprias à
existência.
A própria
existência vai deixando de ser uma soma de alegrias, sonhos e conquistas, para
ir se transformando num rosário de problemas, desafios e dificuldades. De
repente – porém sem espanto - a pessoa se vê à procura de quaisquer motivos que
lhe traga alguma felicidade.
Como disse
o profeta, o pote vai secando sem precisar que nele seja lançada a cuia. O
próprio barro vai bebendo seu interior, o vento se sacia da umidade da argila,
e assim tudo vai confluindo para a ilusão de uma fartura. E assim também a
vida: vai evaporando pela idade.
Também se
diz que o percurso do homem é de empobrecimento. Vai, a cada dia, ficando mais
pobre. A criança vai perdendo sua inocência, o jovem vai perdendo seus sonhos,
o adulto vai perdendo as esperanças, enquanto o velho vai perdendo a própria
vida.
Os desejos
afloram, ruborizam, se transformam em desejos ainda mais fortes. Mas tudo
passa. A flor vai perdendo o viço, a cor, a beleza, e de repente jaz acinzentada
e retorcida. Assim aconteceu com o girassol no dia que o sol não apareceu.
O Livro de
Eclesiastes sintetiza bem o destino do homem, o que ele é o que será. Depois da
alegria a tristeza, depois do sorriso o pranto. Só que na vida não há muita
chance de recuperar o tempo perdido ou situações não aproveitadas. A lei do
retorno nunca possui a mesma feição.
No espelho
o retrato do homem, o ontem e o instante. Dificilmente a pessoa se percebe com
veracidade e destemor. Procura sempre fugir de suas marcas ou fingir uma
realidade inexistente. Contudo, jamais poderá dizer que o espelho lhe mente ou
que é bem diferente daquilo avistado.
Semelhante
à pedra, o homem foi se formando grão a grão, mas depois de se achar forte
demais sequer percebeu que estava sendo consumido pela gota d’água que caía
sobre seu corpo. Tão forte e tão frágil. Pouco a pouco a água vai rompendo as
entranhas até nada restar da indestrutibilidade.
Não é
difícil perceber o quanto se vai perdendo a cada instante de vida. E tudo vai
se fragilizando muito mais rapidamente do que se imagina. Ou se aproveita o
instante ou cada instante ou quase nada será possível fazer amanhã. Mesmo sem a
higidez de outros tempos, sem o ânimo de outrora, a vida ainda chama ao viver.
A vida não
se contenta em permanecer, pois deseja prosseguir. A vida não quer quarto
fechado ou ambientes sombrios, pois precisa de luz, de claridade, de sol ou de
lua. A vida não quer pranto, lágrima ou tristeza, e sim contentamento, alegria
e felicidade. A vida não quer apenas esperar a morte chegar, mas continuar
viva.
A vida, às
vezes, quer simplesmente viver. Por mais que as tempestades surjam, a vida, às
vezes, deseja apenas viver. E quem negar tal direito à própria existência,
negando estará seu direito de continuar existindo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Se tem uma coisa que eu aprendi, é que a perfeição não existe. aliás, há duas: tudo acaba.
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