SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A VIDA, ÀS VEZES...


Rangel Alves da Costa*


Por mais que a vida seja dada com toda inteireza ao ser humano, impossível que este a aproveite completamente. Faz imaginar que a existência vai, aos poucos, perdendo seu real sentido de ser.
E assim acontece. Imperceptivelmente a vida esvai, lentamente tudo se prostrai, e de pó a pó o cume se desfaz e surge um deserto de penúria e tormento. Por que a essência se torna aparência, e se por fora brilha por dentro se apaga.
Como numa colcha bem trabalhada, devidamente costurada para os enfrentamentos dos usos, a primeira linha vai se rasgando, depois o tecido se desgastando, até surgirem as imperfeições. Assim também na vida humana.
A verdade é que o homem também foi feito ao uso, ao desgaste, ao definhamento. Por mais que lute para continuar com o melhor de sua essência corporal, sua força e vitalidade, logo ele estará se ressentido das fragilidades tão próprias à existência.
A própria existência vai deixando de ser uma soma de alegrias, sonhos e conquistas, para ir se transformando num rosário de problemas, desafios e dificuldades. De repente – porém sem espanto - a pessoa se vê à procura de quaisquer motivos que lhe traga alguma felicidade.
Como disse o profeta, o pote vai secando sem precisar que nele seja lançada a cuia. O próprio barro vai bebendo seu interior, o vento se sacia da umidade da argila, e assim tudo vai confluindo para a ilusão de uma fartura. E assim também a vida: vai evaporando pela idade.
Também se diz que o percurso do homem é de empobrecimento. Vai, a cada dia, ficando mais pobre. A criança vai perdendo sua inocência, o jovem vai perdendo seus sonhos, o adulto vai perdendo as esperanças, enquanto o velho vai perdendo a própria vida.
Os desejos afloram, ruborizam, se transformam em desejos ainda mais fortes. Mas tudo passa. A flor vai perdendo o viço, a cor, a beleza, e de repente jaz acinzentada e retorcida. Assim aconteceu com o girassol no dia que o sol não apareceu.
O Livro de Eclesiastes sintetiza bem o destino do homem, o que ele é o que será. Depois da alegria a tristeza, depois do sorriso o pranto. Só que na vida não há muita chance de recuperar o tempo perdido ou situações não aproveitadas. A lei do retorno nunca possui a mesma feição.
No espelho o retrato do homem, o ontem e o instante. Dificilmente a pessoa se percebe com veracidade e destemor. Procura sempre fugir de suas marcas ou fingir uma realidade inexistente. Contudo, jamais poderá dizer que o espelho lhe mente ou que é bem diferente daquilo avistado.
Semelhante à pedra, o homem foi se formando grão a grão, mas depois de se achar forte demais sequer percebeu que estava sendo consumido pela gota d’água que caía sobre seu corpo. Tão forte e tão frágil. Pouco a pouco a água vai rompendo as entranhas até nada restar da indestrutibilidade.
Não é difícil perceber o quanto se vai perdendo a cada instante de vida. E tudo vai se fragilizando muito mais rapidamente do que se imagina. Ou se aproveita o instante ou cada instante ou quase nada será possível fazer amanhã. Mesmo sem a higidez de outros tempos, sem o ânimo de outrora, a vida ainda chama ao viver.
A vida não se contenta em permanecer, pois deseja prosseguir. A vida não quer quarto fechado ou ambientes sombrios, pois precisa de luz, de claridade, de sol ou de lua. A vida não quer pranto, lágrima ou tristeza, e sim contentamento, alegria e felicidade. A vida não quer apenas esperar a morte chegar, mas continuar viva.
A vida, às vezes, quer simplesmente viver. Por mais que as tempestades surjam, a vida, às vezes, deseja apenas viver. E quem negar tal direito à própria existência, negando estará seu direito de continuar existindo.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Se tem uma coisa que eu aprendi, é que a perfeição não existe. aliás, há duas: tudo acaba.