SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 11 de novembro de 2015

DONA MAZÉ CRENTE


Rangel Alves da Costa*


Para falar sobre Dona Mazé Crente, necessário que se antecipe uma observação: Nenhuma pessoa, por melhor coração que possua ou que apenas viva para dignificar sua existência, jamais será unanimidade no reconhecimento dos outros. Como aqueles lírios bíblicos florescendo nos campos, ainda assim surgirão ervas daninhas querendo se sobrepor. E macular sua grandeza na vida.
Fiz tal afirmação por motivo óbvio. A verdade é que de uma hora para outra Dona Mazé passou a ser odiada por um ou outro, passou a ser atacada e até ameaçada naquilo a que se dedica com o mais profundo amor: seu canteiro florido. Por que cultiva e zela do único espaço verde existente em Poço Redondo, e alguns desejam desertificar a vida, então se voltam, erroneamente, contra a pessoa. Que mal faz Dona Mazé em cuidar, amar e querer proteger seu jardim?
Desde que chegou às terras sertanejas de Poço Redondo, lá pelos idos de 1978, acompanhada do esposo, parentes e filhos pequenos, Dona Mazé sempre foi reconhecida pela sua amizade, sua simplicidade, pelo seu jeito carinhoso de ser e conviver. Pessoa humilde, de família cujos recursos são aqueles apenas da digna sobrevivência, não conduziu sua vida senão para semear o bem. E duvido que possam negar tal afirmação.
Maria José Pereira Santos, ou simplesmente Dona Mazé Crente, já chegou aos 77 anos e destes já são 36 anos de Poço Redondo. Viúva há cinco anos, mãe de doze filhos, com a maioria destes tendo nascido na nova morada, de profunda religiosidade, “crente”, de porte altaneiro e sorriso permanente no rosto, ainda que as marcas do tempo e os acasos da vida sempre insistam em entristecer. Mas não conseguem.
Pois bem. Um dia, numa época de um Poço Redondo com praças arborizadas, canteiros floridos e natureza primaveril por todo lugar, Dona Mazé se encantou de tal forma com aquela abundância verdejante que logo procurou trazer um pouquinho de tudo aquilo para perto de si. Então, ali mesmo ao redor de sua morada, cuidou de transformar os canteiros existentes em lugares vivos e prazerosos. Plantou, regou, cuidou, viu florescer belos jardins.
E já se passaram 36 anos daquela primeira muda fincada na terra esturricada dos canteiros sem vida. Atualmente só lhe resta um canteiro, defronte à sua casa, mas dele continua cuidando como uma mãe à sua pequena e amada cria. Como aquela história do menino Zezé do livro “Meu pé de laranja lima”, que foi se afeiçoando de tal modo à sua árvore frutífera que com ela conversava e contava segredos, bem assim é a relação de Dona Mazé com o seu canteiro florido.
Durante toda uma vida, logo ao alvorecer e após o entardecer, vai a sorridente senhora levando balde, cuia, caneco, mangueira. E vai a contente senhora banhando seus filhos de folhas e flores. E vai a mulher maravilhada com sua cria em carinhos, em palavras, em gestos afetuosos, num relacionamento tão humano que faz admirar a quem passa. E também vai a cuidadosa senhora atrás de novas mudas, de plantas bonitas, de flores novas, tudo num único objetivo: através de seu jardim, alegrar-se a si mesma e a seu amado Poço Redondo.
Sim, seu amado Poço Redondo porque Dona Mazé, mesmo não sendo filha da terra, fincou raiz e floresceu o amor mais belo pelo lugar. Chegou com filhos ainda pequenos e hoje já são adultos, alguns casados, todos sentindo o mesmo amor da mãe por aquele jardim. Mesmo no desalento da viuvez, se enche de contentamento por aquilo que se entregou de coração. Vive os seus dias e suas horas na casa singela da Rua Manoel Pereira, alimenta sua alegria pela vida com o que encontra adiante, assim que lança o olhar após a porta: seu canteiro florido.
Contrariamente ao que se imaginaria, neste texto não adentrei em maior profundidade na questão que foi criada envolvendo o seu canteiro. Já há uma decisão sobre isso, e certamente não é humana. A ação impensada do homem estará contrariando a vontade divina. E também a da grande maioria da população poço-redondense. Portanto, não vejo mais sentido em continuar repetindo o porquê de aquele canteiro ter de continuar no local e do jeito que está, senão ainda mais belo. É uma questão de bom senso, apenas. Ou uma questão de não transformar pequenos ódios num mal maior.
Contudo, será sempre preciso reafirmar sobre as qualidades e as virtudes de Dona Mazé. E também agradecer pela sua amizade, sua presença entre nós e seu canteiro/jardim, pois, como disse o poeta: Alegra-te o coração, vai em direção a um jardim florido!


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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