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domingo, 22 de novembro de 2015

ALCINO E RANGEL (O FILHO CONFESSA)


Rangel Alves da Costa*


Difícil de compreender e mais ainda de acreditar, mas confesso que somente agora, já passados três anos de seu falecimento, é que verdadeiramente estou mais próximo a Alcino, meu pai.
Até aquele novembro de 2012, fui simplesmente filho. Mas a sua partida acabou me colocando numa proximidade tal que o reencontro como se fosse em vida. A partir de então tenho me dividido entre o que sou e o que ele era. Ou ainda é.
Explico por que. Após sua partida me debrucei na sua biografia. Não é fácil escrever sobre um pai, pois se corre o risco de fugir à realidade para sentimentalizar os escritos. Tudo fiz para apenas transcrever a pessoa, sua obra e sua memória.
Desde aquele instante entrei num mundo de Alcino que eu, apenas como filho, ainda não conhecia em profundidade. Ao analisar seus escritos, encontrei valores que permaneciam desconsiderados para mim. Ao enveredar no seu legado, passei a compreender sua importância enquanto escritor, pesquisador, estudioso do cangaço, conferencista, poeta, radialista e sertanejo.
Certamente que eu já conhecia a produção de literária de Alcino, mas não sua importância dentro do contexto nordestino, do cangaço, do messianismo, da saga do povo matuto, da preocupação maior com a terra, com a gente e com a história.
Fato também relevante se deu no entendimento de sua importância perante outros estudiosos e pesquisadores da saga cangaceira. Somente após sua partida é que conheci o entrelaçamento profundo e as grandes amizades construídas no mundo acadêmico, nos seminários, bem com a partir das correspondências mantidas com ilustres escritores.
A evidência de tais aspectos foi surgindo na construção da biografia. Contudo, quando comecei a me envolver na apuração de seu acervo, no sentido de preservação e manutenção, bem como para posterior formação de um memorial, então é que o filho se viu novamente diante do pai.
Como Alcino era muito cuidadoso – e até ciumento – com os seus livros, discos, manuscritos, rascunhos, correspondências, fotografias, enfim com o que escrevia e também com o que lhe servia como base de pesquisa, eu nunca quis me intrometer demais no seu mundo. Mas a situação já era outra. Ele havia partido e a mim cabia ser o guardião de suas relíquias.
Quando afirmo que a mim cabia cuidar de suas relíquias, não pretendo afastar a responsabilidade dos demais filhos. E são muitos os meus irmãos. Contudo, há um fator que sempre me uniu a Alcino muito além da condição de filho: a propensão à escrita e o amor ao sertão. O amor incondicional de Alcino pela terra sertaneja é o mesmo sentido pelo seu filho.
Coisas do destino, talvez. Mas dizem que sou o filho mais parecido com Alcino, com relação à feição. Já outros vão além para reconhecer na minha obra uma herança paterna. De qualquer modo, sempre bom que haja tal reconhecimento. Sinto orgulho de tudo isso.
Hoje, confesso mais vez, convivo com Alcino a cada instante, principalmente quando estou em Poço Redondo. Agora, confesso ainda, tenho Alcino ao meu lado e o compromisso fraterno de preservar sua permanência, não somente em mim, mas por todo o sertão.
Quando lutei contra o mundo para dar vida ao memorial, só Deus sabe a força do destino que me conduzia. Ainda luto com todas as forças que tenho, mas consciente que assim teria de ser. Ninguém constrói uma obra grandiosa sem grandes sacrifícios. E sei do merecimento de meu pai para a minha contínua luta.
Foi o memorial que novamente colocou pai e filho dentro da mesma casa. E um na presença do outro. Tudo ali é Alcino, é Dona Peta, é família, é história, é sertão. E eu com a dádiva divina de cuidar dessa moradia que acolhe a tudo e a todos com tanto amor.
Os caminhos de Deus são assim: apenas uma estrada, mas chamando a cada um para encontrar seu destino. E o meu é me dividir entre o que sou e o que Alcino ainda é.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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