Rangel Alves da
Costa*
As coisas
estão mais difíceis do que se possa imaginar. Shakespeare certamente inverteria
sua famosa frase para sentenciar: Há mais contas a pagar do que imagina nossa
vã economia. Ou Descartes, ao invés do “Penso, logo existo”, diria “Recebo,
logo quebro”. E parafraseando nosso Drummond, então diria: “No meio do caminho
há uma conta, há uma conta no meio do caminho. Nunca me esquecerei desse
acontecimento na vida de meu salário tão diluído. Nunca me esquecerei que no
meio do caminho tem uma conta. Tem uma conta em qualquer caminho...”.
Tempos
difíceis, são estes. Não se encontra qualquer pessoa que conte uma história boa
sobre sua situação financeira. Há uma reclamação só: o preço do gás, do
combustível, do remédio, do imposto, da conta disso e daquilo. Sem falar na
feira. Muita gente deixou de fazer feira para se contentar com um quilo aqui,
outro acolá, e assim por diante. Não era pra menos. O mercado público se
transformou em algo de assustar. O mercadinho nem se fala. É preciso passar
primeiro na farmácia e tomar logo um calmante. Preço por preço, o que resta é
isto que está aí: a desilusão de um povo sofrido e desesperançado.
Sofro
calado, sou eleitor. Jamais votaria neste governo que aí está, porém me sinto
também responsável por tudo de ruim que vem acontecendo. Ora, minha avó dizia
que se não pode matar a cobra ao menos jogue uma pedra. Ela há de perceber que
seu calcanhar não está apenas esperando o bote. Iludi-me com aquela história de
que cada um é - por si próprio - o responsável pelo seu destino, e sequer abri
a boca para alertar sobre as cobras que estavam criando e alimentando a cada
eleição. E deu no que deu. Todo mundo agora está mordido e parece não haver
cura para a peçonha petista. O pior é que o veneno não escolhe quem vai afetar.
Como
sozinho não posso fazer nada, pois aquela formiga da fábula acabou sendo pisada
pelo elefante, e também por que sinto que a passividade e o conformismo ainda
estão enraizados na população, então procuro apenas me virar – ou revirar –
como posso. E foi nestes dias de forçada submissão que comecei a rever minha
situação enquanto ser econômico e social. Fui colocando tudo no papel e acabei
chegando à conclusão que eu, também, tenho de fazer meu ajuste fiscal. Um
ajuste não só fiscal como pessoal.
Talvez eu
nem tenha pensado em ajuste fiscal, mas conduzido a isto. De tanto ouvir falar
em “saco de maldades”, em medidas de ajustamento, em tentativa de equilíbrio do
orçamento através de redução de gastos e aumento da carga tributária, eis que
me vi forçado a também adotar medidas para enfrentar as turbulências causadas
pelas outras medidas. Estas e todas as outras que afetaram os programas
sociais, que elevaram impostos e encareceram desde o pirulito à vida.
Mas,
pensando bem, eu necessitava mesmo fazer assim, reajustar-me. Não quis ouvir o
conselho de pessoas com maior sabedoria, não dei a devida atenção às vozes e
lições da experiência, e acabei indo além de minhas medidas. Sempre fui
criticado pelo egoísmo autoritário, generalesco. A necessidade de ajustar-me
agora vem, pois, dos desregramentos do passado. Mas tudo tão ilusoriamente bom,
tudo tão falsamente positivo, que jamais imaginaria estar semeando os
sofrimentos futuros.
Torrei
rios de dinheiro, apadrinhei muita gente apenas porque comungava de minhas
convicções, investi vultosas quantias naquilo que foi se mostrando
desnecessário e agora está em completo abandono. O mais grave: coloquei
dinheiro nas mãos de muita gente ociosa, verdadeiramente preguiçosa, somente
porque ansiava pelo poder político e a bonança dela advinda. E deu no que deu.
Agi sem medida e agora me vejo obrigado a seguir medidas que minimizem aqueles
erros. Triste sina é esta de ter de não querer olhar para trás e não querer
assumir nada de errado. Sina ainda mais triste é saber que coloquei em risco o
meu e o futuro de muita gente.
Por mais
que tente, a verdade é que não posso fechar a porta de trás e me distanciar do
quintal do passado. Imaginando a existência de muitos baús, fui abrindo
cadeados e espalhando riquezas. Lançava dinheiro pela porta, pelas frestas,
pela janela. Mas também não era dinheiro meu, mas do próprio povo esquecido que
o havia me confiado. Tudo foi levado pelo vento e quem precisava ficou sem
nada. E quando me bateram à porta, então tentei correr e não pude.
Um
vizinho, de prato vazio à mão, chegou-me à janela e disse: Está vendo no que é
que dá a gastança desenfreada? Você acelerou demais o crescimento e agora se vê
em completa desaceleração, investiu demais aonde não deveria e agora está em
recessão, quis ser além de mero emergente e agora está como mau pagador. O que
tem de fazer agora não é ajuste fiscal, mas pessoal. Você tem de repensar sobre
tudo. Mas em outro lugar. Aproveite a porta do quintal aberta e vá embora. Juro
que ninguém vai ter saudade de você.
Acho que o
vizinho tem toda razão. Como não há mais nada a fazer que dê certo no meu
ajuste fiscal, o jeito que tem é pensar no meu lado pessoal. Saindo agora pelo
quintal, quem sabe não vou dar no quintal da Venezuela, de Cuba, da
Cochinchina. Quem sabe...
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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