SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Palavra Solta: índio triste


Rangel Alves da Costa*


O uirapuru cantou triste e o índio entristeceu mais ainda. A tarde caiu tristonha e o índio entristeceu mais ainda. As águas do rio passavam tristes e o índio entristeceu mais ainda. A ventania soprava tristonha e o índio se via numa tristeza em açoites. A tribo em festa, seu povo contente, boa pescaria e comida farta, a bebida fermentada passando de boca em boca, o vermelho do urucum adornando os corpos. Mas nada disso alegrava o índio, pois tomado de uma tristeza sem fim. Avistando o jovem distanciado de todos, cabisbaixo e com olhar molhado, o velho cacique foi ao seu encontro: Mas o que há meu bravo guerreiro? Apenas o silêncio como resposta. O sábio então levantou seu rosto com a mão e encontrou um olhar tomado de aflição. Seu coração sangra pelo olhar, menino da lua. Foi o que disse o cacique, que prosseguiu dizendo: Mas não tenho remédio para sua cura. O que deseja ter impossível ao homem, impossível que alcance no mundo dos vivos. Nem a magia ancestral conseguirá fazer sorrir este seu coração, pois foi amar logo o que é impossível de ser amado: a lua. Mas não a lua lá em cima, mas a lua que desce à lâmina d’água e lança seu olhar de sereia. E condenado está a somente amar em noites de lua. E por isso todo o sofrimento. Mas peço que se desencoraje a fazer o que deseja. Não é se lançando às águas que beijará a boca daquela mulher de luz. É esquecendo o amor pela lua e procurando amar uma jovem da tribo que sua sina guerreira prosseguirá sobre a terra. Mas o índio triste, de tão apaixonado que estava, pouco ouviu daquelas palavras. Ainda naquele dia, assim que a lua cheia desceu, ele seguiu até o rio para beijar sua amada. Lançou-se às águas e nunca mais retornou. Na margem, escondido entre as folhagens, o velho cacique apenas se despediu. Sabia que assim aconteceria. Não a sina de um índio triste, mas o destino do impossível amor.
                                      

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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