SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 13 de novembro de 2015

ANJOS TERRENOS


Rangel Alves da Costa*


Três anjos foram escolhidos para atuar sobre a terra brasileira, em meio às pessoas, suas vidas e seus destinos. Pela dimensão territorial, a divindade se viu obrigada a enviar três e não apenas um anjo, como considerava de maior segurança. Com único anjo não corria o risco de gestões conflitantes nem de pedidos e mensagens controversos demais para ser atendidos. Mas, enfim, nomeou os três e deu-lhes passaporte para a diplomacia terrena. Contudo, um fato de relevo acabou modificando toda a estratégia.
Com soberba exacerbada, reconhecidamente egoísta – e por isso mesmo já tendo sido aconselhado a mudar de atitude -, o primeiro anjo logo se revoltou com a informação de que teria de dividir sua gestão brasileira com outros dois. Indignou-se, esbravejou, e afirmou que o Brasil não era caso para responsabilidade de três anjos, mas apenas um – e ele -, pois as decisões que deveriam ser tomadas não poderiam ser contestadas por nenhum outro enviado celestial. Tal fato chegou aos ouvidos do poderoso, que silenciou para espanto de todos. Mas escolheu uma santidade para segredar: Assim deveria ser, pois nada mais que o predestinado a acontecer. Infelizmente será este anjo que levará o mal aonde descer na terra brasileira.
Não deixando sua revolta com meias palavras, a intenção do anjo revoltoso era que fosse chamado pelo poderoso para dar explicações, e assim, com sua astúcia e força de argumento, fazer com que revisse sua decisão, enviando somente ele para ser a ponte entre o mundo celestial e o Brasil. Enraivecia-se ainda mais porque o tempo passava e nada de o poderoso tomar qualquer atitude contra sua revolta. Então decidiu resolver a situação a seu modo: rebelou-se contra os céus e contra a divindade. E de lá despencou decidido a se apossar sozinho do imenso país.
Daí em diante ficou conhecido como anjo caído, ou aquele que se rebelou para contrariar os ensinamentos sagrados e propagar sobre a terra seu afã de maldade e a impureza entre os seres humanos. E foi caindo, caindo, se transformando num ser abominável a cada distância nos ares, até colocar os pés sobre a terra. Quando então, de forma ludibriosa, mudou de aparência, falsamente se revestindo de anjo perfeito e de beleza angelical. Caído livremente, sem haver escolhido destino, quando lançou o olhar frio e maldoso ao redor, outra coisa não avistou senão um planalto: estava em Brasília.
Após tomar conhecimento do local, de onde planejava comandar os destinos do Brasil, e sem que para tal tivesse que dar qualquer satisfação ao poderoso lá em cima, não demorou muito e o anjo caído se sentiu verdadeiramente eufórico, entusiasmado demais com a situação encontrada. E teve a certeza que Brasília era o local ideal para implantar seu reinado, principalmente porque ali, na região do poder humano, era mais que abundante em coisas putrefatas, em lamaçais, em caldeirões ferventes onde estavam lançados todos os despudores humanos.
Contudo, um fato causou preocupação ao anjo caído. Observando cuidadosamente aqueles centros de poder e decisões, logo sentiu que aquelas pessoas, principalmente os políticos, governantes e agentes palacianos, se assemelhavam demais com o seu jeito impuro de conduzir a tudo que estivesse ao alcance. Ora, era o anjo da maldade, da corrupção do mundo, da pecaminosidade, da imoralidade, da ilicitude, da desonra, da impiedade, do abuso e da infidelidade, e a grande maioria daquele povo era também portadora de tais invirtudes e defeitos. Será que encontrei outros anjos caídos aqui em Brasília? Foi a preocupada indagação que fez.
Sentiu-se ameaçado, mas não se deu por vencido e resolveu que o melhor a fazer seria prosperar ainda mais aqueles hábitos desprezíveis perante outros habitantes nas demais regiões do país. Seu intuito era transformar também o povo numa ralé imprestável e, assim, colocar tudo num só caldeirão de infâmias. Transformado, o povo não iria de encontro aos desonrosos hábitos lá de Brasília, e então tudo estaria dominado. E do alto ficaria apenas observando os de Brasília esmagar a indiferente população e tudo no Brasil revirado e transformado na imundície do mundo.
Entretanto, o anjo caído não sabia que os outros dois anjos, emissários divinos para a proteção e a prática do bem, já estavam agindo em outras regiões brasileiras. Um se voltava para a proteção das riquezas naturais da nação, enquanto o outro agia em defesa da população, principalmente a mais carente. Sentindo que sozinho não daria conta de enfrentar aqueles dois mensageiros divinos, então resolveu que se voltaria somente para os centros de poder em Brasília e a proliferação de tudo que não prestasse. Logo cuidou de aumentar a corrupção, a ladroeira, a mentira e a impunidade.
E assim o anjo caído continuou comandando os destinos lá em Brasília, enquanto os outros anjos fazem o que podem para não deixar o restante sucumbir. Não fossem os anjos celestiais, certamente que o povo e as riquezas da nação já estariam entregues aos caldeirões das almas aflitas. O anjo caído, políticos e governantes desejam assim. Mas há um poder sagrado que preserva a esperança e o destino.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: