Rangel Alves da
Costa*
Três anjos
foram escolhidos para atuar sobre a terra brasileira, em meio às pessoas, suas
vidas e seus destinos. Pela dimensão territorial, a divindade se viu obrigada a
enviar três e não apenas um anjo, como considerava de maior segurança. Com
único anjo não corria o risco de gestões conflitantes nem de pedidos e
mensagens controversos demais para ser atendidos. Mas, enfim, nomeou os três e
deu-lhes passaporte para a diplomacia terrena. Contudo, um fato de relevo
acabou modificando toda a estratégia.
Com
soberba exacerbada, reconhecidamente egoísta – e por isso mesmo já tendo sido
aconselhado a mudar de atitude -, o primeiro anjo logo se revoltou com a
informação de que teria de dividir sua gestão brasileira com outros dois.
Indignou-se, esbravejou, e afirmou que o Brasil não era caso para
responsabilidade de três anjos, mas apenas um – e ele -, pois as decisões que
deveriam ser tomadas não poderiam ser contestadas por nenhum outro enviado
celestial. Tal fato chegou aos ouvidos do poderoso, que silenciou para espanto
de todos. Mas escolheu uma santidade para segredar: Assim deveria ser, pois nada
mais que o predestinado a acontecer. Infelizmente será este anjo que levará o
mal aonde descer na terra brasileira.
Não
deixando sua revolta com meias palavras, a intenção do anjo revoltoso era que fosse
chamado pelo poderoso para dar explicações, e assim, com sua astúcia e força de
argumento, fazer com que revisse sua decisão, enviando somente ele para ser a
ponte entre o mundo celestial e o Brasil. Enraivecia-se ainda mais porque o
tempo passava e nada de o poderoso tomar qualquer atitude contra sua revolta.
Então decidiu resolver a situação a seu modo: rebelou-se contra os céus e
contra a divindade. E de lá despencou decidido a se apossar sozinho do imenso
país.
Daí em
diante ficou conhecido como anjo caído, ou aquele que se rebelou para
contrariar os ensinamentos sagrados e propagar sobre a terra seu afã de maldade
e a impureza entre os seres humanos. E foi caindo, caindo, se transformando num
ser abominável a cada distância nos ares, até colocar os pés sobre a terra.
Quando então, de forma ludibriosa, mudou de aparência, falsamente se revestindo
de anjo perfeito e de beleza angelical. Caído livremente, sem haver escolhido
destino, quando lançou o olhar frio e maldoso ao redor, outra coisa não avistou
senão um planalto: estava em Brasília.
Após tomar
conhecimento do local, de onde planejava comandar os destinos do Brasil, e sem
que para tal tivesse que dar qualquer satisfação ao poderoso lá em cima, não
demorou muito e o anjo caído se sentiu verdadeiramente eufórico, entusiasmado
demais com a situação encontrada. E teve a certeza que Brasília era o local
ideal para implantar seu reinado, principalmente porque ali, na região do poder
humano, era mais que abundante em coisas putrefatas, em lamaçais, em caldeirões
ferventes onde estavam lançados todos os despudores humanos.
Contudo,
um fato causou preocupação ao anjo caído. Observando cuidadosamente aqueles
centros de poder e decisões, logo sentiu que aquelas pessoas, principalmente os
políticos, governantes e agentes palacianos, se assemelhavam demais com o seu
jeito impuro de conduzir a tudo que estivesse ao alcance. Ora, era o anjo da
maldade, da corrupção do mundo, da pecaminosidade, da imoralidade, da
ilicitude, da desonra, da impiedade, do abuso e da infidelidade, e a grande
maioria daquele povo era também portadora de tais invirtudes e defeitos. Será
que encontrei outros anjos caídos aqui em Brasília? Foi a preocupada indagação
que fez.
Sentiu-se
ameaçado, mas não se deu por vencido e resolveu que o melhor a fazer seria
prosperar ainda mais aqueles hábitos desprezíveis perante outros habitantes nas
demais regiões do país. Seu intuito era transformar também o povo numa ralé
imprestável e, assim, colocar tudo num só caldeirão de infâmias. Transformado,
o povo não iria de encontro aos desonrosos hábitos lá de Brasília, e então tudo
estaria dominado. E do alto ficaria apenas observando os de Brasília esmagar a
indiferente população e tudo no Brasil revirado e transformado na imundície do
mundo.
Entretanto,
o anjo caído não sabia que os outros dois anjos, emissários divinos para a
proteção e a prática do bem, já estavam agindo em outras regiões brasileiras.
Um se voltava para a proteção das riquezas naturais da nação, enquanto o outro
agia em defesa da população, principalmente a mais carente. Sentindo que
sozinho não daria conta de enfrentar aqueles dois mensageiros divinos, então
resolveu que se voltaria somente para os centros de poder em Brasília e a
proliferação de tudo que não prestasse. Logo cuidou de aumentar a corrupção, a
ladroeira, a mentira e a impunidade.
E assim o
anjo caído continuou comandando os destinos lá em Brasília, enquanto os outros
anjos fazem o que podem para não deixar o restante sucumbir. Não fossem os
anjos celestiais, certamente que o povo e as riquezas da nação já estariam
entregues aos caldeirões das almas aflitas. O anjo caído, políticos e
governantes desejam assim. Mas há um poder sagrado que preserva a esperança e o
destino.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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