Rangel Alves da Costa*
Os tempos são outros, modernos, avançados
demais. Contudo, apenas para umas coisas e outras não. A nudez, por exemplo, se
tornou num espanto e prática de ato obsceno, com previsão penal para tal
conduta, mas não deixou de refrear os atentados ao pudor que são cotidianamente
cometidos por todo lugar. Quer dizer, criminalizou-se uma prática que jamais
será respeitada por grande parte da sociedade pervertida pelo próprio meio. Contudo,
é a conotação sexual da nudez que fere a lei e avilta o pudor público. Mas
como, se a conotação sexual já se tornou cultura avessa?
Difícil delimitar a conotação sexual da nudez
perante a sociedade que respira sexo, depravação, devassidão. Na verdade, o que
a lei quis foi vestir forçadamente o povo, pois este nasce nu e por muito tempo
andou completamente desnudo. Ainda hoje, principalmente entre as sociedades
tribais, a nudez é a forma correta de andar, conviver e se mostrar ao mundo.
Igualmente ocorre com os naturistas, ainda que tenham de buscar local permitido
para se despir. Querer vestir o corpo como proteção é bem diferente de apenas
vestir uma parte, sob a justificativa que esta vai de encontro aos princípios
sociais. Princípios estes que já se depravaram.
Tem-se, pois, que o vestir como imposição e a
nudez como criminalização, foi uma invenção da sociedade moderna. E talvez por
medo da própria libido aflorada. Mas para esconder o que, se o feio é a roupa
que se veste para encobrir o estado natural do homem? Mas para mostrar o que,
se a completa nudez é menos pecaminosa que as “mini” que se usa para provocar a
sexualidade com muito mais intensidade? Mas para dizer o que, se a nudez é
socializadora, comum, e as vestimentas provocam divisão social, preconceito e
discriminação? Ademais o nu é a verdade do corpo, seu espelho, sua feição,
enquanto a vestimenta é a dissimulação e o meio para que o pensamento escancare
o nu.
Como tudo se propaga no âmbito da cultura,
aos poucos a sociedade foi forjando uma tradição no vestir, ainda que,
insista-se, a nudez seja a vestimenta básica de todo mundo. Daí que, nos dias
atuais, os olhos da sociedade - ou daqueles mesmos olhares acostumados a se
deparar com outros tipos de nudez por cima de roupas - torna-se até inaceitável
não ter uma roupa completa ou decente para vestir. Neste sentido, a nudez da
pobreza é tão feia quanto a própria pobreza. E logo dizem que é falta de
respeito uma pessoa viver quase mostrando as partes íntimas.
São coisas difíceis de aceitar numa sociedade
moderna, dita aberta, pluralista, e tida como anti-conservadora. Prega um
retorno ao estado natural, mas nega a nudez do indivíduo. Forçou que o nativo
usasse folhas para esconder as genitálias, aplaudiu quando a nobreza se
encobriu de pesadas roupas, exigiu que todo mundo andasse vestido, mas não
cuidou de exigir regras no comportamento humano. Por consequência, o que se tem
são roupas usadas exclusivamente para sexualizar o corpo, para transformar o
vestir numa nudez explícita e desavergonhada.
Não se olvide que a pouca roupa, de modo premeditado
e por insinuação, provoca muito mais que a nudez completa. E os olhares
desnudam completamente a pessoa por causa da invenção do vestir. Acaso a nudez
fosse ainda o comum sobre o corpo humano, certamente que os comportamentos
seriam bem diferentes. Ora, se isto já ocorreu com a meninada, e num tempo de a
criançada andar, correr e brincar, como veio ao mundo, então logo se tem que
foi a própria sociedade que passou a se comportar diferente. Havia o menino nu
e a menina quase nua, mas num ambiente de vida sem a perversão de agora.
Noutros idos, era costumeiro que até os oito
anos, ou até mais, o menino permanecesse despreocupadamente sem roupa, tanto
dentro de casa como pelos arredores. Até pelas ruas. De repente e um monte de
menino nu era avistado correndo atrás de bola, soltando pipa, reinando perante
o permitido pela idade. Era fato tão usual na vida interiorana que ninguém
olhava de forma espantosa nem comentava a respeito. Um menino nu era igual a um
menino vestido, simplesmente porque se avistava o menino e não o seu corpo nu.
Os meninos todos nus, magricelas ou mais
rechonchudos, zanzando por todo lugar como se estivessem como vestimenta
completa. Elas, as meninas, na mesma idade, apenas de calcinha. Todos vivendo o
seu mundo, a sua idade, a sua infância e sem a vigilância de olhares maldosos
ou sob o risco de pessoas degeneradas. Não havia um só olhar maldoso perante
aquela nudez, não havia qualquer má intencionalidade perante aqueles sexos
desnudos, não havia qualquer tentativa de abuso, assédio ou perversão.
Há de se observar que as genitálias dos
meninos não mudaram. A nudez é a mesma, e certamente que andariam nus se a
modernidade permitisse. Contudo, agora a devassidão e os transtornos sexuais
são tamanhos que nem precisa a nudez para despertar as volúpias mais
desavergonhadas. Mas os meninos não mudaram, nem os seus corpos, vestidos ou
nus. Apenas a maldade humana.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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