Rangel Alves da
Costa*
Depois de
colhidas, dispostas em buquês, enfeitando arranjos ou colocadas em vasos
bonitos, as flores do jardim não duram mais que alguns dias. Dizem da
efemeridade na existência das coisas mais belas. As pétalas vão perdendo o
viço, a cor, definhando, até se desprenderem já esqueléticas e feias. E o jarro
tão bonito e enfeitado de repente se torna solitário e triste. E a pessoa
também.
Certa feita
uma mocinha disse ao namorado que preferia ser presenteada com flores de
plástico, num simples buquê artificial, a ter de sentir o mesmo destino e
sofrimento da flor nascida em jardim ou estufa. E acrescentou dizendo que as
flores artificiais não trazem ilusões, não precisam de água para forjar
sobrevivência, não vão entristecendo com o passar das horas, não perdem a
simbologia da flor. E das outras flores somente os espinhos restarão.
Com flores
de plástico não teria ilusões. As rosas permanecerão rosas até que num tempo
distante o plástico resseque e se dobre pela idade. As orquídeas continuarão
orquídeas até que a poeira vá tomando conta de suas entranhas e envelhecendo as
pétalas. As violetas permanecerão violetas até que um novo arranjo chegue para
tomar o seu lugar. Depois de jogadas ao lixo serão apenas restos de flores. E
diferente ocorre com as flores naturais. Estas permanecem poesia mesmo depois
de murchas.
Para muita
gente talvez não haja qualquer diferença entre flores naturais e artificiais. Avista
e sente as flores apenas como enfeites, como algo agradável aos olhos ou mesmo
porque ficam bonitas dentro de um jarro enfeitando uma mesa ou qualquer móvel
de uma casa. As flores são apenas enfeites, servem apenas para modificar as
cores do ambiente, jamais as considerando na sua simbologia. O que simbolizaria
uma flor artificial?
Talvez a
noção de flor, a ideia de flor, a aparência de flor. Em muitos casos, nem assim
acontece, pois as flores são vistas apenas como plásticos coloridos,
enfeitados. Contudo, mesmo sendo raros, há casos em que as flores artificiais
falam e provocam muito mais que qualquer jardim primaveril ou o mais belo buquê
de flores que possa existir. E não apenas por questão de sentimento, mas porque
- mesmo que a pessoa não tenha consciência que assim aconteça – reflete o
próprio ser, traduz com exatidão o seu instante de vida.
E com isso
dizer que as flores de plástico se amoldam às pessoas na justeza de suas
angústias, de seus sofrimentos, seus estados de solidão, suas aflições e melancolias.
E também por simbolizarem formas sem conteúdos, corpos sem essência, apenas
aparências e ilusões. Existem pessoas que são verdadeiros jarros enfeitados de
flores artificiais: são apenas as formas. Por fora uma aparência forjada, mas
por dentro o mais cruel dos outonos. Ou ainda a demonstração da mais absoluta
verdade: nada fingir do sofrimento que definha a alma.
Por isso
mesmo que ter um jardim florido não significa nada a quem se reconhece como um
mísero jarro de flores artificiais. O jarro está à mesa como a pessoa está na
vida, o plástico vai se mostrando resistente na mesma ilusão que a pessoa tem
na vida. Ou simplesmente pela imaginação de que a flor imutável, sólida,
permanente, que não precisa de água ou sol, se amolda ao próprio jeito de ser e
viver da pessoa. Ledo engano, pois se estará fugindo ao verdadeiro significado
da flor artificial colocada num canto qualquer. E depois esquecida.
O plástico
da flor afeiçoa-se à negação da vida. Uma vida plástica, efêmera, empoeirada,
esquecida, relegada ao sofrimento. E o que dizer quando a dona de um jardim
florido sequer recolhe uma flor para perfumar sua manhã e seus olhos parecem
brilhar ante o jarro velho com algumas flores artificiais carcomidas pela
idade? Ora, apenas se compraz com o sofrimento.
Um jardim
florido adiante e mesmo assim um jarro de flores artificiais à janela. Eis o
retrato mais fiel do sofrimento. Lá dentro a pessoa também não nega sua
artificialidade perante a vida. Não quer nem aroma nem perfume, apenas que a
poeira do tempo cuide de seu destino. E como flor de plástico seja esquecida em
qualquer chão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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