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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

FLORES ARTIFICIAIS NA JANELA


Rangel Alves da Costa*


Depois de colhidas, dispostas em buquês, enfeitando arranjos ou colocadas em vasos bonitos, as flores do jardim não duram mais que alguns dias. Dizem da efemeridade na existência das coisas mais belas. As pétalas vão perdendo o viço, a cor, definhando, até se desprenderem já esqueléticas e feias. E o jarro tão bonito e enfeitado de repente se torna solitário e triste. E a pessoa também.
Certa feita uma mocinha disse ao namorado que preferia ser presenteada com flores de plástico, num simples buquê artificial, a ter de sentir o mesmo destino e sofrimento da flor nascida em jardim ou estufa. E acrescentou dizendo que as flores artificiais não trazem ilusões, não precisam de água para forjar sobrevivência, não vão entristecendo com o passar das horas, não perdem a simbologia da flor. E das outras flores somente os espinhos restarão.
Com flores de plástico não teria ilusões. As rosas permanecerão rosas até que num tempo distante o plástico resseque e se dobre pela idade. As orquídeas continuarão orquídeas até que a poeira vá tomando conta de suas entranhas e envelhecendo as pétalas. As violetas permanecerão violetas até que um novo arranjo chegue para tomar o seu lugar. Depois de jogadas ao lixo serão apenas restos de flores. E diferente ocorre com as flores naturais. Estas permanecem poesia mesmo depois de murchas.
Para muita gente talvez não haja qualquer diferença entre flores naturais e artificiais. Avista e sente as flores apenas como enfeites, como algo agradável aos olhos ou mesmo porque ficam bonitas dentro de um jarro enfeitando uma mesa ou qualquer móvel de uma casa. As flores são apenas enfeites, servem apenas para modificar as cores do ambiente, jamais as considerando na sua simbologia. O que simbolizaria uma flor artificial?
Talvez a noção de flor, a ideia de flor, a aparência de flor. Em muitos casos, nem assim acontece, pois as flores são vistas apenas como plásticos coloridos, enfeitados. Contudo, mesmo sendo raros, há casos em que as flores artificiais falam e provocam muito mais que qualquer jardim primaveril ou o mais belo buquê de flores que possa existir. E não apenas por questão de sentimento, mas porque - mesmo que a pessoa não tenha consciência que assim aconteça – reflete o próprio ser, traduz com exatidão o seu instante de vida.
E com isso dizer que as flores de plástico se amoldam às pessoas na justeza de suas angústias, de seus sofrimentos, seus estados de solidão, suas aflições e melancolias. E também por simbolizarem formas sem conteúdos, corpos sem essência, apenas aparências e ilusões. Existem pessoas que são verdadeiros jarros enfeitados de flores artificiais: são apenas as formas. Por fora uma aparência forjada, mas por dentro o mais cruel dos outonos. Ou ainda a demonstração da mais absoluta verdade: nada fingir do sofrimento que definha a alma.
Por isso mesmo que ter um jardim florido não significa nada a quem se reconhece como um mísero jarro de flores artificiais. O jarro está à mesa como a pessoa está na vida, o plástico vai se mostrando resistente na mesma ilusão que a pessoa tem na vida. Ou simplesmente pela imaginação de que a flor imutável, sólida, permanente, que não precisa de água ou sol, se amolda ao próprio jeito de ser e viver da pessoa. Ledo engano, pois se estará fugindo ao verdadeiro significado da flor artificial colocada num canto qualquer. E depois esquecida.
O plástico da flor afeiçoa-se à negação da vida. Uma vida plástica, efêmera, empoeirada, esquecida, relegada ao sofrimento. E o que dizer quando a dona de um jardim florido sequer recolhe uma flor para perfumar sua manhã e seus olhos parecem brilhar ante o jarro velho com algumas flores artificiais carcomidas pela idade? Ora, apenas se compraz com o sofrimento.
Um jardim florido adiante e mesmo assim um jarro de flores artificiais à janela. Eis o retrato mais fiel do sofrimento. Lá dentro a pessoa também não nega sua artificialidade perante a vida. Não quer nem aroma nem perfume, apenas que a poeira do tempo cuide de seu destino. E como flor de plástico seja esquecida em qualquer chão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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