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sábado, 7 de novembro de 2015

MORTE NA SOLIDÃO


Rangel Alves da Costa*


Nas penumbras do espaço, um pássaro triste voando sozinho, com asas cansadas, para a solidão do seu último ninho. Não há revoada nem outras presenças, não há nuvem de avoantes nem bando de asas batendo, mas apenas um voo solitário rumo à solidão. Assim a morte como acontecimento sem presença, sem despedida ou adeus. Assim apenas a morte solitária e na solidão.
Solidão na morte por que solidão na vida. Solidão na morte por que as ausências na vida. Solidão na morte por que ser relegado à pobreza e renegado de amizades. Solidão na morte por que não há um nome que chame, um sobrenome que traga, um endereço lembrado, uma importância qualquer. Apenas um ser que morre na presença do tempo que se despede e lhe abandona. E só não será esquecido porque as horas chegam para se despedir e logo cuidam de apressar o esquecimento.
Se a morte é tida como passagem forçada e inaceitável fim, que se imagine desejar que o momento chegue sem alguém por perto para uma oração, para acender uma vela, para uma ladainha ou sentinela. Que se imagine a morte chegar e tudo acontecer como se nada houvesse se transformado. O silêncio na casa, a porta aberta, a janela batendo, o vento soprando, as folhagens chegando em voo rasante.
Se dói a solidão sem que se deseje sua existência, se dói o abandono sem que haja merecimento de desamparo, se dói a distância de tudo quando as presenças fazem tanta falta, que se imagine a angústia de saber que a despedida da vida não significa nada a ninguém, que a passagem seja um ato que importa somente à vida e à morte.  Ora, se ontem foi de solidão e hoje também, o futuro talvez não seja diferente. E nele o instante da partida. E certamente na solidão.
Sempre há que se repetir. A morte é acontecimento triste, verdadeiramente desalentador, mas na solidão se torna indescritível. Não por mal súbito ou por acidente, não por mão própria e desatino, não por que quando ela chegou a pessoa estava sozinha naquele momento. Mas por que a pessoa vive sozinha a todo momento. Não apenas a solidão da ausência de outras pessoas, de ter os espaços vazios e silenciosos como únicas companhias, mas também pela solidão material.
E sim quando se espera a morte – pois já sabe que ela se aproxima – na desvalia do mundo e na distância de todos. Mas acontece. E aconteceu. Já muito idoso, já sem forças, vivendo solitário, cada vez mais sentia que o seu tempo de existência estava com dias contados. Existem pessoas que são assim. Acabam reconhecendo não apenas as limitações físicas como a carência de poder de reação acaso as fragilidades se acentuem.
A fraqueza em tudo, na alma e no corpo, na esperança e no poder de reação. As seivas se esvaindo como folhas de outono, o organismo se findando como brasa adormecida e em cinzas se tornando. Sem vizinhos, sem familiares que lançassem um olhar sobre a triste situação, sem qualquer pessoa que o ajudasse nos afazeres cotidiano, não havia como pensar em futuro. Mal conseguia caminhar, mal conseguia colocar na boca um pedaço de pão. E numa manhã não encontrou forças para se levantar. Estendeu o braço em direção à caneca d’água ao redor, porém esta se mostrou distante demais, ainda que quase diante do olhar. Era a morte que chegava, pensou.
Não adiantava gritar, não adiantava chamar, não adiantava levantar para cair adiante. Nada mais adiantava. Então fechou os olhos e se esforçou para reviver o passado. Surgiu a criança traquina, o menino brincalhão, o rapaz cheio de sonhos e esperanças. Reencontrou familiares, amigos, amores. Uma vida tão bela e se findando assim, na solidão. Então chorou a lágrima mais verdadeira que podia existir. E abrindo os olhos, olhou para o alto e avistou um barco no telhado. E depois se fez navegante no mar do outro mundo, nas águas da solitária morte.
                                      

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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