Rangel Alves da Costa*
Nas penumbras do espaço, um
pássaro triste voando sozinho, com asas cansadas, para a solidão do seu último
ninho. Não há revoada nem outras presenças, não há nuvem de avoantes nem bando
de asas batendo, mas apenas um voo solitário rumo à solidão. Assim a morte como
acontecimento sem presença, sem despedida ou adeus. Assim apenas a morte
solitária e na solidão.
Solidão na morte por que
solidão na vida. Solidão na morte por que as ausências na vida. Solidão na morte
por que ser relegado à pobreza e renegado de amizades. Solidão na morte por que
não há um nome que chame, um sobrenome que traga, um endereço lembrado, uma
importância qualquer. Apenas um ser que morre na presença do tempo que se
despede e lhe abandona. E só não será esquecido porque as horas chegam para se
despedir e logo cuidam de apressar o esquecimento.
Se a morte é tida como
passagem forçada e inaceitável fim, que se imagine desejar que o momento chegue
sem alguém por perto para uma oração, para acender uma vela, para uma ladainha
ou sentinela. Que se imagine a morte chegar e tudo acontecer como se nada
houvesse se transformado. O silêncio na casa, a porta aberta, a janela batendo,
o vento soprando, as folhagens chegando em voo rasante.
Se dói a solidão sem que se
deseje sua existência, se dói o abandono sem que haja merecimento de desamparo,
se dói a distância de tudo quando as presenças fazem tanta falta, que se
imagine a angústia de saber que a despedida da vida não significa nada a
ninguém, que a passagem seja um ato que importa somente à vida e à morte. Ora, se ontem foi de solidão e hoje também, o
futuro talvez não seja diferente. E nele o instante da partida. E certamente na
solidão.
Sempre há que se repetir. A
morte é acontecimento triste, verdadeiramente desalentador, mas na solidão se
torna indescritível. Não por mal súbito ou por acidente, não por mão própria e
desatino, não por que quando ela chegou a pessoa estava sozinha naquele
momento. Mas por que a pessoa vive sozinha a todo momento. Não apenas a solidão
da ausência de outras pessoas, de ter os espaços vazios e silenciosos como
únicas companhias, mas também pela solidão material.
E sim quando se espera a
morte – pois já sabe que ela se aproxima – na desvalia do mundo e na distância
de todos. Mas acontece. E aconteceu. Já muito idoso, já sem forças, vivendo
solitário, cada vez mais sentia que o seu tempo de existência estava com dias
contados. Existem pessoas que são assim. Acabam reconhecendo não apenas as
limitações físicas como a carência de poder de reação acaso as fragilidades se
acentuem.
A fraqueza em tudo, na alma e
no corpo, na esperança e no poder de reação. As seivas se esvaindo como folhas
de outono, o organismo se findando como brasa adormecida e em cinzas se
tornando. Sem vizinhos, sem familiares que lançassem um olhar sobre a triste
situação, sem qualquer pessoa que o ajudasse nos afazeres cotidiano, não havia
como pensar em futuro. Mal conseguia caminhar, mal conseguia colocar na boca um
pedaço de pão. E numa manhã não encontrou forças para se levantar. Estendeu o
braço em direção à caneca d’água ao redor, porém esta se mostrou distante
demais, ainda que quase diante do olhar. Era a morte que chegava, pensou.
Não adiantava gritar, não
adiantava chamar, não adiantava levantar para cair adiante. Nada mais
adiantava. Então fechou os olhos e se esforçou para reviver o passado. Surgiu a
criança traquina, o menino brincalhão, o rapaz cheio de sonhos e esperanças.
Reencontrou familiares, amigos, amores. Uma vida tão bela e se findando assim,
na solidão. Então chorou a lágrima mais verdadeira que podia existir. E abrindo
os olhos, olhou para o alto e avistou um barco no telhado. E depois se fez
navegante no mar do outro mundo, nas águas da solitária morte.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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