*Rangel Alves da
Costa
O mundo
está cheio de pessoas forjadamente transformadas em mitos. Surgido
propositalmente na própria pessoa ou através de outros que vão espalhando
mentiras, a verdade é que a mitificação se alastrou de tal modo que de repente
qualquer distante desconhecido passe a ser propagado com endeusamento. O
conceito de mitificação, como conferir demasiadas qualidades a alguém, porém de
modo a ocultar a verdade, corresponde bem às divinizações que se alastram.
São as
conveniências que vão mitificando pessoas que, muitas vezes, não mereceriam
sequer reconhecimento. E uma vez tornadas em mitos é como se suas
caracterizações pessoais tivessem validade somente dali em diante. Setores da
imprensa, o mundo televisivo, a bajulação política, o puxa-saquismo
governamental, a desavergonhada idolatria, os partidarismos exacerbados, o
desconhecimento da realidade e o temor religioso, são alguns dos principais
construtores do mito moderno, principalmente o social.
Diz-se do
mito social por que há uma construção de imagens colocando pessoas em verdadeiros
altares. Estratagemas são utilizados para transformação de caráteres, de
feitos, de comportamentos, de atitudes e fazeres. Como diante de um barro
bruto, lamacento, simplesmente fazem a moldagem e tentam repassá-la como
porcelana de antiga dinastia. Um vaso chinês num pote imprestável. Ao converter
pessoas comuns, e até insignificantes, em mitos, logo se estará criando
situações irreais e mentirosas. Mas assim ocorre em todos os setores da vida.
O mito
social é muito mais por conveniência do que por valorização. E neste aspecto
diferente do mito histórico. Este, que se deseje ou não, surge da comprovação
de fatos, do percurso histórico de pessoas cujas ações persistiram na memória
como o próprio nome. Seja na ação reconhecida como boa ou ruim, no heroísmo ou
na incompreensão, a verdade é que a mitificação vai surgindo como forjada na
pedra. Em tal contexto, mito é Padre Cícero, é Antônio Conselheiro, é Lampião,
é o Beato Pedro Batista. Por que mito? Procure compreendê-los e continuará com
mais perguntas que respostas. Assim o mito histórico.
Na
contramão da história, ou de qualquer fazer de relevo, se assenta o mito
social. E o mitificado, ao menos para alguns objetivos ou porque necessita ter
seu nome na mídia, pode ser qualquer um. Mas nem todo mundo pode se tornar
mito. Não se não tiver poder para sustentar sua imagem, não se não tiver
dinheiro para comprar uma imagem, e não se não tiver uma sociedade que o
reconheça pela imagem forjada e não pelo que verdadeiramente é. Quer dizer, o
mito social se lastreia num forjamento, numa mentira nascida para ir se
tornando verdade.
Fruto de
espertezas, conveniências, desconhecimento da realidade ou até inocência, o
mito forjado na mentira, quando não desmascarado a tempo, tem o poder de transformar-se
em verdade como a mentira repetida e acreditada acaba se tornando
incontestável. Mas então, haveria de se indagar, quais as motivações para que
uma pessoa procure falsamente se mitificar e também o que leva outras pessoas a
forjar fatos, acontecimentos e realidades.
Antes de
qualquer resposta, urge acentuar que o conceito de mito, no contexto aqui
proposto, surgiu na história como forma de dignificar pessoas e acontecimentos,
cujas ações estão envoltas em sobrenaturalidade, heroísmo, em feitos maravilhosos,
na diferenciação da ação comum dos homens. É neste sentido que se mitifica
personagens históricos e torna em verdadeiras lendas determinadas ações
humanas.
No
contexto geral, o mito remete a feitos extraordinários, a divindades e seres
fantásticos. A mitologia insere-se neste contexto por tratar de seres
sobrenaturais, cercados de simbologias e venerados na forma de deuses,
semideuses e heróis, responsáveis pelos elementos que regem o universo. Quando
se fala em Zeus, em Hércules, em Atena, está-se falando em verdadeiro mito. E
também a narrativa acerca dos grandes feitos dos deuses, bem como a explicação
do surgimento das coisas através das forças da natureza.
Por outro
lado, costumou-se desnortear de tal modo o conceito de mito que atualmente ele
é utilizado para denotar mentiras, inverdades, criações absurdas, construções
de imagens e propagação de valores inexistentes. Daí afirmar-se que a sociedade
relegou a historicidade filosófica do mito para abraçar o ideário da
mitificação de qualquer coisa e qualquer um. Surgem assim as mitificações de
artistas, cantores, políticos e até de criminosos.
E é fácil
reconhecer o mito urdido, nascida da maquinação. Uma pessoa, por exemplo, que
nunca escreveu um livro, um poema ou um discurso, e de repente é elevado ao
panteão da imortalidade acadêmica, logicamente que foi mitificado pelo poder, e
não pelo valor cultural ou intelectual. Uma pessoa em cuja região não fez mais que
mil partos, e aos poucos vai sendo cantada e decantada como possuidora de mãos
de mais de cinco mil nascimentos, certamente que estará havendo um exagero
premeditado. E surgido tanto da pessoa mitificada quanto daqueles que espalham
inverdades.
Mas é bom
crer nos mitos, eis que eles existem. E tanto existem que ainda nos perguntamos
como Ulisses venceu tantos desafios e sua Penélope virtuosa não cedeu às
tentações. E também por que Deus não é mito. É somente a verdade.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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