*Rangel Alves da Costa
Eu me chamo Virgulino, não tenho outro nome
de pia, tendo por pai um José e por mãe uma Maria. Poderia ser chamado de
Virgulino de Maria, mas outro apelidado me foi dado em distante freguesia.
Um filho chorando um pai, pois morto em
triste dia, quando a arma do poder tirou o que dele existia, jogando à própria
sorte o que da família existia, fazendo surgir o ódio e toda vingança que
havia.
Mas o que mais afligia era ser acusado de
crime que nem de longe eu cometia. Dizer que minha família roubava a honra toda
anuvia, cria no homem um ódio que nunca se atrofia, é querer criar bandido
naquele de calmaria.
Quando a fama se fez grande, acusado em
demasia, então o jeito foi passar a ser aquilo que eu não queria, então agi
pelo erro e fiz o que não queria: fazer o que não tinha feito pra provar a
valentia.
Coisa triste era a fome de vingança que eu
sentia, mas não tinha outro jeito a dar naquilo que eu pressentia, ou dava o
troco no troco ou escolhia a covardia, como não nasci pra temer então escolhi a
ousadia, em dar um troco maior naquilo que me feria.
Quando o sangue jorrou nas terras onde eu
vivia, o homem se fez em galope no filho de José e Maria. Uma chama acendeu,
mas juro que não queria, e quando labareda comeu eu já estava em rebeldia,
lutando contra o algoz desde o amanhecer do dia.
Dói demais relembrar uma família em correria,
saindo de canto a outro, sem ter sossego e alegria, e só se mantendo viva pelo
revide que existia. Se bala viesse de lá, a bala daqui zunia, se tocaiado algum
fosse, outra emboscada fazia.
Quando já sem pai e sem mãe, o mundo foi
moradia. Ao lado de irmãos seguia nos rastros da valentia, levava comigo a
certeza do que o mundo oferecia: lutar contra a injustiça e sua esfomeada sangria,
ser um guerreiro do mato, um Lampião que na guerra alumia.
Na chama o Lampião, só assim me conhecia,
deixado de lado o Virgulino e o filho de Maria. Foi nos carrascais desse mundo,
na vida em descortesia, que empunhei arma e punhal pra viver em rebeldia,
caçando e sendo caçado, no prazer e na agonia.
Eram muitos Lampiões que surgiam a cada dia.
Na sina do sertanejo a dor que transparecia, maltratado e oprimido, um escravo
de sesmaria, nas mãos do senhor coronel a desdita lhe doía, levando peso da
canga e açoitado em grosseria.
Uma gente tão sofrida que a sorte lhe
consumia, sem vez nem voz protetora, era água de bacia, derramada pelo chute do
poder e sua demagogia. Capanga caçando irmão, no sertão a mesma pia, como se
violar a pobreza causasse maior alegria.
O povo desprotegido, a proteção mais queria,
mas como encontrar alguém que lhe servisse de guia? Sinhô Pereira, Antônio
Silvino ou Lampião, era o sertão que queria, ou alguém lhe defendia ou nada
mais restaria.
E de repente Lampião já era o rei do sertão,
o que muito enobrecia. Mas um viver de pesar que no prazer se fingia, todo
adornado no ouro pra esconder o que a alma carcomia, sem descanso ao relento no
peito a nostalgia. A punhalada da sina, na vida toda sangria.
Então no amor fui buscar o alento que queria.
Depois de minha mãe Maria, eis que mais uma Maria. Essa toda bonita, flor no
cabelo e laço de fita, e dizendo ninguém acredita, mas foi o prazer que tive em
meio à vida maldita.
Por vinte anos vivi acendendo um Lampião,
tratado com fidalguia, na fama e na honraria. Fui Capitão, do Estado a
cortesia, e para fazer aquilo que eu dizia e não fazia. Não deseja fazer o que
o poder queria, quando do outro lado o mesmo poder perseguia.
Foi de conchavo e alinhavo, a trama que eu
tecia. Do coronel a igreja, tudo à minha serventia. Mandava um bilhete assinado
e logo o que eu queria, bastava me aproximar e toda porta se abria. Se um fogo
despontasse, com fogo eu respondia.
Mas um dia o pavio do destino de vez me
apagaria. Não foi na luta de homem, mas sim na maior covardia. Emboscaram todo
o bando e o meu fim se fazia. Se levanto o mosquetão nada daquilo acontecia.
E foi o fim de Virgulino e também de sua
Maria. Mas o homem que se foi na terra permanecia, não conseguiu ao sertão
trazer a sua alforria, mas ensinou a lutar contra o mal que lhe oprimia, e
continua a ensinar a não aceitar desvalia.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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