ALGUÉM ME VIU POR AÍ?
Rangel Alves da Costa*
Não sei é ou foi assim mesmo, mas há muito tempo que saí de casa, que não abro minha porta, que não fico na janela ao entardecer, que não coloco a cadeira de balanço no quintal em noites de lua cheia, que não deito em minha rede, que não sei o que é casa. Não estou vagando à toa pelas ruas, eu sei; não vivo abandonado em qualquer outro lugar, tenho certeza; não tive problemas de esquecimento e me perdi, sem dúvidas. Mas a verdade é que não estou aqui nem ali. E alguém me viu por aí?
Todos os dias deito muito tarde, acordo bem cedinho, caminho ao alvorecer, converso com as plantas e os bichos ou com quem encontrar pela frente, faço tudo que deve ser feito numa manhã e depois me preparo para fazer o que tenha de ser feito pelo resto do dia. E nesse pedaço de dia que me falta viver, infelizmente tenho de fazer aquilo que certamente as pessoas de bem (será que sou?) tem de fazer, que é entrar como ingrediente na salada da vida, onde na mesma panela se juntam podres, perdidos, vencidos. Como se vê, sou uma pessoa normal, e por isso mesmo não deveria estar perguntando aos outros se alguém me viu por aí.
Mas pergunto porque não estou conseguindo me encontrar. E acho que tudo começou quando, de repente, roubaram o vento e a brisa que passavam na minha janela, a única lua que tinha ao anoitecer, o pedaço inteiro de sol que me restava, as cores do jardim que costumava enxergar, os caminhos estreitos e verdejantes por onde procurava caminhar, o horizonte com suas nuvens e passarinhos e, o que é pior e mais dolorido, a capacidade de ter sentimentos com tudo isso e a incapacidade de me admirar com qualquer outra coisa. Só pode ter sido isso!
Outra hipótese para o meu desaparecimento diz respeito ao sonho que resolvi sonhar. E tudo aconteceu assim: Dizem que se a gente ficar pensando e pensando numa coisa antes de deitar, guardando o nome, a feição, situações que digam respeito ao objeto do sonho, àquilo que se quer sonhar, quando as imagens adormecidas começam a chegar logo é fácil identificar a pessoa que se quer ver, as cenas que com ela quer ter e o demais que foi pensado. Ocorre que no meu sonho, ao invés de chamá-la para perto de mim, era ela que acenava dizendo que fosse, e com um sorriso tão encantador e aquele jeito tão belo de ser que fiquei sem saída e atendi ao chamado. Sei que acordei, mas ainda não voltei do sonho que sonhei e a verdade é que ainda continuo por lá fazendo não sei o que.
Contudo, pode não ser nada disso. E talvez realmente não seja porque se assim fosse as pessoas não teriam me encontrado em muitos lugares e nas mais diversas situações. Chegaram a comentar que me viram entrando numa loja que vendia poesias e textos usados, criatividade de segunda mão; que eu estava no balcão de agência que vende passagens para a lua, para o infinito, para o desconhecido e outros lugares mais ou menos estranhos; que eu andava com a lanterna de Diógenes procurando, em meio à sociedade atual, qual era o homem honesto ainda existente; que eu estava pregando que no lugar das estátuas dos heróis deveriam ser colocadas imensas fotografias mostrando situações de pobreza e miséria absolutas, da adolescência perdida por esquecimento, de crianças famintas e de cenas que provocam pânico nos olhos daqueles que só se contentam em enxergar vitrines. Em qualquer dessas situações eu estaria completamente maluco, com certeza. Ou não?...
Assim, de uma forma ou de outra muitos me viram por aí, mas isso não quer dizer quase nada porque o que preciso saber é onde realmente eu possa estar agora, para poder ir até lá é me encontrar. É que preciso falar comigo, preciso dizer a mim mesmo que ainda sou meu amigo e pedir que volte para onde estou. Vou prometer que se voltar vou me dar de presente uma namorada bem bonita e cheirando a flor e escrever um longo e belo poema, todo branco e sem rimas. Como é a vida...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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