VIDA E MORTE DO "IMORRÍVEL"
Rangel Alves da Costa*
A primeira vez que o imorrível morreu ninguém lembra mais a data, mas a última vez é possível saber com exatidão, pois foi há um segundo atrás, e aí mesmo, pertinho onde você está agora. E dizem que o danado já está por aí novamente. Cruz credo!
Os mais velhos contam essa história e até hoje as pessoas afirmam não acreditar. Mas como não acreditar, se dizem que os mais velhos não mentem e os fatos ocorridos foram contados pelos pais dos seus pais, de geração a geração? Há um porém nisso tudo: cada um conta a história do imorrível de um jeito diferente.
Dizem que o imorrível é uma pessoa comum, como qualquer Pedro, João, Raquel, Lúcia ou Beraldo e se veste e vive segundo os ditames do tempo e da situação em que está vivendo. Já vestiu somente fralda e chupou bico, já se vestiu de couro e calçou alpercatas, já esteve de biquini na praia, já fez pose de paletó e gravata; às vezes está de barba, outra vezes de batom, usa bigode ou tem a pele toda brilhando a cosméticos.
Segundo contam, quando o imorrível nasceu sua mãe levantou da esteira no mesmo instante e dançou e bebeu e brincou três dias sem parar, e no quarto dia bateu as botas toda feliz e sorridente. O pai não estava presente porque quando soube que o imorrível ia nascer se danou correndo porta afora que até o presente ninguém sabe nem dar notícia. Uns dizem que até hoje corre desatinado, outros dizem que virou sombra, e sombra do próprio filho.
Após a morte da mãe, no quinto dia o imorrível já estava homem feito, no décimo já estava adulto e no vigésimo já andava arqueado, envelhecido. Naquelas frágeis condições físicas, ninguém dava mais dois dias de vida ao imorrível. Com efeito, morreu de velhice aos vinte e dois dias de idade. Contudo, há um porém nessa história toda, pois não demorou nem três dias que lamentaram sua morte e o imorrível já havia nascido de novo. Ninguém sabe como, mas a verdade é que ele estava novamente todo feliz e sorridente, como se nada tivesse acontecido. Talvez até nem tivesse morrido, mas apenas rejuvenescido.
Quando nasceu novamente o imorrível parece que veio diferente, pois demorou mais de trinta anos para caminhar e mais uns trezentos anos para se tornar adulto. De tanto nascer e morrer gente e ele daquele mesmo jeito, chegou um tempo que ninguém lhe conhecia mais, ninguém falava mais com ele, não dava bom dia nem boa noite; era como se fosse um estranho vendo coisas e mais coisas acontecerem durante anos e anos seguidos. Foi aí que o imorrível resolveu dar um basta nessa situação. Por que viver e não ser reconhecido por ninguém, como se não estivesse existindo? Foi a indagação que lhe veio a cabeça.
No intuito de ser reconhecido como pessoa, o imorrível, com uma secular experiência em quase todos os assuntos que diziam respeito à vida, por já ter presenciado e participado de um tudo, resolveu que dali em diante seria rezador, benzedor, receitador de remédio caseiro, dirimidor de conflitos entre os cidadãos, pacificador nas contendas políticas, orientador dos direitos de cada um, consultor para assuntos bíblicos e religiosos, enfim, quase professor de quase tudo.
Até que um dia sua sabedoria foi colocada à prova: foi procurado por um rapaz e uma mocinha, e aquele queria saber como fazer para uma jovem linda ficar apaixonada por ele, e esta queria saber como esquecer um amor que vivia martelando seu pobre e sofredor coração. Voltaram tristes, sem resposta alguma, e simplesmente porque o imorrível não soube responder.
O imorrível passou vergonha, toda a sua sabedoria foi por água abaixo, e foi somente quando pôde perceber que não sabia nem um tiquinho assim de qualquer coisa sobre o amor, sobre os caminhos do coração e outros caminhos dos que amam. Que vergonha! Todos ficaram sabendo desse fato e nunca mais procuraram ele para saber de nada. Logo sobre o amor? E foi aí que abandonou o lugar e ficou sumido durante mais de mil anos, num retiro forçado e continuamente se perguntando: o que é o amor?
Após essa milenar provação, desceu da montanha e decidiu conhecer o amor, mas já sabia que isso só era possível se arrumasse uma namorada, se amasse, pois um dia ouviu uma voz misteriosa dizendo que o amor só se aprende amando. Estava feliz porque poderia amar muito, dezenas, centenas, milhões de mulheres, prevalecendo-se de sua condição de imorrível.
Coitado! Logo com a primeira namorada que encontrou ficou apaixonado. E a paixão era tanta que pensou que iria morrer a qualquer instante. Um imorrível morrer de paixão seria impensável. E o pior aconteceu: a namorada, sem mais nem menos, abandonou o apaixonado. Aí não teve jeito mesmo, pois o imorrível morreu.
Mas dizem que ele renasce toda vez que um novo amor começa e morre novamente toda vez que se sente apaixonado. Só mesmo a paixão para fazer morrer o imorrível, foi a conclusão que chegaram.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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