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segunda-feira, 12 de abril de 2010

BRINCANDO COM SENTIMENTOS (Crônica)

BRINCANDO COM SENTIMENTOS

Rangel Alves da Costa*


Marina era uma moça diferente da maioria das mocinhas que se vê hoje, pois era calma, tranqüila, recatada, de boa conduta e respeitosa dos princípios morais; uma filha extremamente dedicada, obediente, religiosa, bem educada e até gostava de rabiscar uns versinhos e outros escritos de vez em quando. Apaixonada pela vida, dizia que o seu primeiro amor era estar bem consigo mesma, depois era depois. Na verdade, ninguém pode afirmar com certeza se a menina namorava, de tão desligada que ela era para as coisas da paixão amorosa.
Contudo, sendo uma pessoa normal, bonita e de corpo perfeito, guardava dentro de si, além de todo o complexo anatômico e fisiológico, aqueles elementos inatos aos seres humanos e que se instalam pelo corpo e pela mente sem pedir licença: o amor, o ódio, a paixão, a coragem, o medo, a vontade, o equilíbrio, a saúde, a doença, a loucura, o conhecimento e a incerteza, dentre outras coisas.
Quando tais elementos se acomodam pelo corpo e ali fazem moradia sem maiores perturbações, sem querer aparecer ou mostrar suas forças a qualquer instante, até aí tudo bem, vez que a pessoa pode viver tranquilamente sem que seus atos sejam afetados pela realidade interna. Contudo, o problema começa a surgir quando as intrigas e desavenças internas passam a afetar o humor, as relações, os atos e todos os passos da pessoa, que passa a agir completamente diferente do que é sem que os outros saibam dos reais motivos. E isto aconteceu com Marina.
Lá dentro, na região onde os sentimentos fazem moradia, os elementos começaram a se desentender, a trocar insultos e palavrões e a fazer ameaças mútuas. Marina percebeu que alguma coisa não estava normal dentro de si, pois num momento ficava indisposta e no instante seguinte parecia querer resolver a vida num passo. Porém, a certeza de que seu comportamento estava cada vez mais se desequilibrando só veio quando os elementos começaram a desafiar uns aos outros, chamando, por exemplo, de fraco e imprestável e dizendo que provasse que estava mentindo. Tais provas começaram a transtornar a vida da mocinha.
Assim, a indiferença insultou a paixão dizendo que dava a mão à palmatória se esta mostrasse que tinha algum poder; a razão jogou na cara da loucura que ela não passava de safadeza e que apontasse uma doidice sequer que tinha feito nos últimos tempos; a calma deu língua à impaciência e disse que queria só ver se ela ainda tinha alguma coragem; a educação começou a espalhar que a estupidez parecia mais uma retardada; a coragem lançou desafios, de uma só vez, ao medo e à aflição; o ódio foi atingido na sua honra. Coitada de Marina com a briga dos outros!
E Marina de repente começou a ficar relaxada, descuidou de sua aparência, vivia nervosa e respondendo com ignorância e aos gritos qualquer pergunta que lhe fosse feita, começou a dizer que seus pais eram caretas e que agora era sua vez de curtir a vida adoidada, sair por aí sem destino, curtir nas baladas, namorar e beijar muito. Quanto tempo perdido tinha tido, diante dos prazeres infinitos que sua juventude podia ter, afirmava aos berros. E disse que tava a fim de se apaixonar e trazer o carinha para o seu quarto, ali, na vista dos coroas.
A mocinha se modificou de tal forma que a primeira coisa que seus pais pensaram foi chamar um padre para exorcizá-la. Depois lembraram do filme e de vitamina de abacate e acharam melhor que não. Mesmo assim não se conformaram com aquela situação e, chorando, chamaram a jovem para conversar e pediram desculpas por não terem estado mais tempo com ela, conversado mais, viajado juntos e por não terem cumprido, ao longo dos anos, com o seu papel de pais e viverem mais como estranhos do que como verdadeira família.
"Mas do que vocês estão falando. Desse jeito até parece que o mundo desabou. Me digam, afinal de contas o que é que está acontecendo mesmo?". "Minha filha, é que você tem andado com um jeito estranho e com umas atitudes esquisitas...". "Ora, papai, já está tudo bem. É que descobri que sou normal e de vez em quando faço besteiras também".
Lá dentro, os sentimentos, todos envergonhados, decidiram que a partir daquele instante deixariam que Marina decidisse sozinha o que era melhor pra sua vida. Ainda bem, Marina, ainda bem...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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