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sábado, 3 de abril de 2010

SERIA A ÚLTIMA MISSA (Crônica)

SERIA A ÚLTIMA MISSA

Rangel Alves da Costa*


Ao final da missa dominical, o velho padre tão afeto à sua paróquia quanto à própria fé em seu coração, encaminhou-se para o quartinho que alguns chamavam de sacristia, ajoelhou-se diante da imagem do Senhor, se benzeu, colocou as mãos entrelaçadas próximo aos olhos, baixou a cabeça e chorou como jamais tinha pranteado antes.
Quando o Padre Gregório chegou à cidadezinha para ser pároco da pequenina e centenária igreja, o lugar e suas redondezas ainda respiravam os bons tempos da paz interiorana, com pessoas humildes e trabalhadoras, todos guardando dentro de si uma imensurável religiosidade, uma fé inabalável na força divina e uma crença grandiosa nas palavras, nos sermões, na hóstia ofertada pelo velho pastor.
Os tempos eram outros, poderia se dizer. Naquelas instâncias idas, de busca de comunhão com Deus e com os seus ensinamentos, a igreja vivia de portas abertas dia e noite acolhendo os muitos visitantes. Não eram só as beatas que estavam sempre por ali orando, implorando um amparo divino ou lançando a última esperança para o que parecia não ter mais jeito. Eram pessoas comuns, jovens e crianças ali convivendo com a imensa beleza e paz que só se encontra dentro das paredes de uma igreja.
Aos domingos, Marina mocinha vestia o melhor vestido e a pra missa rezar pra arranjar um namorado; João implorava chuva para o seu gadinho não morrer de sede; Marieta entrava ajoelhada e assim seguia até o altar para pagar uma promessa; Porfírio esperava sempre que o padre falasse sobre os que já tinham deixado essa vida para falar o nome de um filho seu com lágrimas nos olhos; Joaninha Beata chegava sempre toda de preto, da cabeça aos pés, e com um véu da mesma cor encobrindo o rosto. Era uma festa religiosa a missa dominical, com bandinha de pífano tocando no coreto e bandeirolas brilhando ao vento.
Os tempos passaram e as coisas mudaram muito. Há cerca de dois meses atrás, por exemplo, não havia mais do que dez pessoas na igreja, em pleno domingo de missa, e todas senhoras de idade já avançada. Ao celebrar a missa, procurando demonstrar o gosto e o zelo de sempre, Padre Gregório não deixava esconder um certo entristecimento na sua feição e nas suas palavras já um pouco cansadas. Sentia saudades dos tempos em que a igreja ficava pequena para tanta gente, daqueles fiéis reunidos em contemplação e renovando na força divina suas próprias forças.
O velho padre procurava entender porque o povo estava se afastando tanto da igreja, e daí começava a indagar consigo mesmo: Será que não agrado mais, que minhas palavras já não transmitem mais a mensagem do Senhor ou minha pregação envelheceu como eu e não agrada mais? Ora, se não vem mais aqui, onde será que esse povo se alimenta da fé e das virtudes divinas? O que estará acontecendo, meu bom Deus? Qualquer outro que não o senhor, bom pastor, saberia que o problema não está nem na igreja e nem na religião, mas no próprio homem que se tornou de pouca ou nenhuma fé e acha que pode construir seus destinos somente com as lições aprendidas nos tropeços.
É o homem, meu bom pastor, que está se desumanizando cada vez mais, que se acha autossuficiente em tudo, que se compraz em dizer que as coisas humanas só cabem aos próprios homens resolvê-las. É o dito homem, meu bom semeador, que vai cada vez mais se desencontrando na sua ambiciosa busca pelo inútil; que cegamente caminha e nesse caminhar insciente vai derrubando os valores éticos, morais e religiosos que encontra pela frente; que diz que tem um nome e principalmente sobrenome, mas se omite em pronunciar o nome de Deus.
Assim, nesse tormento e nessa dúvida, o velho padre resolveu que naquele domingo celebraria sua última missa. Não suportaria mais ver sua igreja sem fiéis. E com essa intenção preparou-se para o ofício divino e ao transpor a portinhola para chegar ao altar percebeu que a igreja estava completamente vazia. Olhou o relógio e aquela seria a hora do início da missa.Contudo, sentiu chegar dentro si uma alegria e uma força que nunca teve e iniciou seu ofício para o vazio e para o silêncio:
"Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou", citou Lucas, 10, 16.
"Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não abuseis, porém, da liberdade como pretexto para prazeres carnais. Pelo contrário, fazei-vos servos uns aos outros pela caridade, porque toda a Lei se encerra num só preceito: Amarás o teu próximo como a ti mesmo", foi buscar em Gálatas 5, 13-14, a inspiração. E prosseguiu com Hebreus 13, 18-19:
"Orai por nós. Estamos persuadidos que temos a consciência em paz, pois estamos decididos a procurar o bem em tudo. Com maior instância rogo-vos que façais isto, para que mais depressa eu vos seja restituído".
Era uma missa, a última missa em poucas palavras, e já se preparava para retornar à pequena sacristia quando levantou a cabeça e viu um menino descalço e com uma pequena caixa de engraxar sapatos entrando. O pequeno engraxate veio em sua direção e perguntou quantas horas a missa iria começar, pois gostava muito do que o padre dizia e quando crescesse traria os seus filhos todos os domingos para a igreja.
Quanta dor, espanto e alegria no coração do velho padre, que respondeu: "Agora mesmo meu filho, pode sentar aí pertinho que vou celebrar uma missa linda, maravilhosa, como nunca celebrei, só para você".
E a igreja se encheu de luz, e a igreja se encheu de anjos, e a igreja se encheu de alegria. E de repente a igreja se encheu de gente. Mas quem seria aquele menino engraxate que depois se transformou em luz e se espalhou por toda a igreja?



Advogado e poeta
rangel_adv1@hotmail.com
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