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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 20 de abril de 2010

SER SERTÃO: DA ARTE DE NASCER – III

SER SERTÃO: DA ARTE DE NASCER – III

Rangel Alves da Costa*


Assim, no sertão o eleitor sabe que não há momento mais apropriado de dar o bote do que em época eleitoral. O filho geralmente nascer nesse período não é por outro motivo. É só chamar um dos candidatos a prefeito ou a vereador e tudo fica resolvido.
É bom lembrar que no sertão batismo é coisa séria. E seria mais sério ainda se o pai soubesse o seu real significado: primeiro sacramento da igreja católica, através de cerimônia ritual, que serve para purificar a criança, dando-lhe graça e conversão. Contudo, como o intuito do pai é outro, uma coisa fica valendo pela outra.
Feito o convite, é lógico que vai ser aceito. Um convite como este – há de pensar o candidato – certamente que vem acompanhado de alguns votinhos. Por outro lado, é também tática dos pais da criança, quando na presença do convidado, ficar sempre em cima do muro, não prometendo nadica de nada. Pra qualquer efeito, é compadre pra cá e compadre pra lá.
Aí é onde entra a esperteza maldosa do sertanejo, pois quando a presa, que é o compadre, está amansada, domada, comendo na mão, só falta pegar pelo rabo e exigir. É quando começa o chororó, o nhém-nhém-nhém, a conversa matreira: "É cumpade, nem um roupinha posso comprar pra batizar meu fiinho. Coitadinho, nem o de comer ele yem direito. Em casa anda uma pobreza que só vendo. Outro dia minha mulé perguntou se eu podia uma festinha no dia do batizado. Mas veja só cumpade, perguntar logo isso pra quem anda nas condições que eu ando, só tando mesrmo desajuizada. Até que seria do meu maior gosto dar uma festinha, mas num posso não, a não ser que o cumpade..."
Essas palavras foram pensadas, gravadas, repetidas e, com a maior cara de pau, finalmente ditas. O que o futuro compadre ia dizer, na condição de candidato que é, diante do chororó já era sabido de antemão, faltando somente a confirmação: O compadre não se preocupasse que tudo seria resolvido por sua conta, com roupinha bordada, roupa pra família, festança e tudo mais. Só exigia que pelo amor de Deus não se esquecesse daqueles votinhos e que, se não fosse pedir muito, que o compadre conversasse também com seus parentes e amigos.
Batizado é dia de festa. Comida e bebida não faltam na casa dos pais da criança. Que homem bom e generoso é esse padrinho que não deixou faltar nada, mandou até um carro-de-som para a porta do compadre. Pudera, o homem é candidato. E assim muitos batizados são comemorados no período eleitoral. A festa também vai ser grande se o compadre candidato ganhar. Ele prometeu.
O bom na política é que no funil só passam os mais espertos, os outros ficam engasgados ou boiando, derrotados. A sorte do derrotado é que não vai continuar carregando nas costas certos tipos de compadres, falsos até dizer chega, aproveitadores até dizer basta. O afilhado, coitado, como não tem culpa no cartório, se não der pra safado igual ao pai, vai, pelo resto da vida, continuar respeitando e dando a benção ao padrinho, que muitas vezes nem lembra que tem aquele afilhado. Mas é assim mesmo. Pior é na guerra, onde Marina foi lavar o sangue e esqueceu o sabão.

Depois de relatar tais fatos, o velho respirou fundo, passou a mão pelos cabelos esvoaçantes, e em seguida abençoou alguém que tinha lhe pedido a invocação divina.


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@htmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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