A REVOLTA DAS PLANTAS – I
Rangel Alves da Costa*
Galhos retorcidos e quebrados, caídos por todos os lados; troncos de árvores desconformes, tronchos, quase derrubados; terra totalmente encoberta de folhas mortas, feridas, amassadas, pisoteadas... Era um cenário surpreendente e quem visse diria que uma ventania devastadora tinha passado por ali. Mas não, o que se via era o cenário final de uma intriga mortal, que passou a ser conhecida como a guerra das plantas.
Tudo começou quando plantas exóticas passaram a ser cultivadas por uma família de migrantes japoneses num pequeno pedaço de terra no sertão. Assim, levaram sementes e mudas de espécies de muitas cores e formas, de diferenciados tamanhos e finalidades, tais como amora-preta, Santa Bárbara, beijinho, bananeira ornamental, trombeta de anjo, sementes da virgem, trepadeira elefante, hibisco, videira, vandas, dracena-tronco, bico-de-papagaio, artemísia, peônia, gerânios, iúcas e ficus, dentre outras.
É tarefa difícil cuidar dessas plantas e ninguém pode garantir que elas tenham sobrevida num sertão onde a moradia é propícia somente para as plantas nativas, aquelas originárias ou já existentes no local, acostumadas com o clima rigoroso, com o vento esbafejante e o sol demolidor. Seria como colocar o pinguim lado a lado, na mesma morada do preá ou do tatu.
Mas aquela gente de olhinhos apertados sabe como ninguém lidar com plantação. Onde bota a mão, remexe a terra, muda e transmuda, sempre dá o resultado esperado e o cultivo fica vistoso e produtivo. Do mesmo jeito aconteceu com as espécies exóticas que se dispuseram a cultivar na terra inóspita. Fizeram aração, afofaram a terra, misturaram fertilizantes, dividiram o terreno em pequenos lotes, prepararam os canteiros, plantaram as mudas e as sementes, colocaram coberturas removíveis de lona, fizeram o desbaste, regaram rigorosamente, controlaram as pragas e retiraram as ervas daninhas. Quando se viu, as plantas exóticas dos japoneses já estavam de causar inveja. Nem parecia que aquele pedaço de terra era no sertão.
Contudo, bem nas proximidades desse cultivo, há cerca de dois quilômetros dali, havia uma outra comunidade de plantas que vivia orgulhosa de ter suas raízes espalhadas pelo lugar. Mesmo com as dificuldades de sobrevivência, mesmo com as terríveis ameaças das forças da natureza e mesmo com o desprezo de muitos que por ali passavam, tinham garbosidade, amor-próprio e orgulho de morar, como autênticos filhos e filhas da terra que eram, naquele lugar mágico e misterioso chamado sertão, numa vegetação única chamada caatinga.
Por ali, espalhados em qualquer lugar, mas sempre ao redor da catingueiras, baraúnas e aroeiras, faziam moradia o lírio do campo, o alecrim, o mastruz, o velame, a malva, a roseira do campo, o sabonete, a violeta, o fedegoso, o araçá, a avenca e muito mais, mas, principalmente, aqueles que são os símbolos e guardiões da terra árida, como o mandacaru, o xiquexique, a cabeça-de-frade, o facheiro, a palma, a macambira, a cansanção e a urtiga. Todos estes são espécies tipicamente sertanejas, com uma longa história de adaptação ao calor e às constantes estiagens.
O cotidiano dessas espécies nativas era igualzinho ao do povo sertanejo, na eterna luta pela sobrevivência, na harmonia com o meio ambiente de muitos contrastes e no jeito simples de ser. A não ser uma ou outra planta que quando florava parecia ignorar as demais e portava-se egoisticamente como se as flores da estação fossem para a eternidade. Mas tem gente que também é assim, se metendo a besta de vez em quando. Quando passa a estação e a flor vai murchando, as outras plantas ficam num cochicho só, conversando sei lá o quê.
A vida dessas plantas nativas, diferentemente do que muita gente pensa, é extremamente organizada na natureza. O jeito de ser de uma folha ou um espinho no cacto, por exemplo, possui finalidade específica, dizendo a razão de ser assim. Os cactos possuem caules grossos e raízes profundas para suportar o longo período de estiagem; seus espinhos, que na verdade são pequenas folhas modificadas pela natureza, servem para diminuir a transpiração e a eliminação de água, possibilitando que os mesmos suportem as longas faltas de chuvas, bem como para se proteger dos intrusos.
As folhas miúdas de muitas plantas objetivam também reduzir a transpiração, evitando a perda desnecessária de água. A urtiga e a cansanção não gostam que ninguém chegue perto e quem ousar pegar no seus membros certamente se arrependerá pela queimação e irritação que causam na pele, por isso mesmo é que impõem respeito e são evitadas e temidas. Mas também as plantas dão flores. Não importa se cacto, aroeira ou bromélia da caatinga, muitas delas dão lindas e coloridas flores, que só vão murchando quando a estação começa a entristecer e as estiagens são anunciadas.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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