PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL
Rangel Alves da Costa*
Nos conhecemos na primeira pessoa do singular. Eu te encontrei um dia, num acaso bom da vida, me aproximei e só isso. O tempo verbal era o mesmo tempo de continuar sozinho até que o destino passasse a ser conjugado de outra maneira. Eu, e somente eu, na angústia de querer me aproximar um pouco mais e modificar a lição da solidão.
Você, com o seu eu ainda estranho para mim, se fazia reticente e ponto final. Esse egoísmo em não querer dividir, em não querer partilhar do seu eu enorme, lindo, belo e presente comigo, que era um eu sozinho e carente, estava indo de encontro às regras do amor. O amor tem regras somente para o amor a dois, nunca de um.
Regra número um: o amor existe sempre, mas precisa ser encontrado a qualquer instante. Regra número dois: o amor não pode ser encontrado sem que seja dividido com outra pessoa. Regra número três: dividir o amor perante o outro é deixar de ser um para transformar-se em dois sendo um. Regra número quatro: o amor amado a dois será sempre plural, pois os desejos são e a solidão já não é. Última regra: conjugue sempre o amor na primeira pessoa do plural.
Por que sempre essa conjugação? Porque nos amamos, e assim nós amamos, nós vivemos, nós queremos, nós partilhamos, nós dividimos, nós somos, nós podemos, nós sabemos e queremos esse amor, nós traçamos o destino ferro e flor, nós delimitamos a fronteira que leva à dor, nós construímos para ninguém destruir, nós queremos e assim desejamos gritar: nós nos amamos.
Lembra que eu, quando ainda era eu sozinho, e te encontrei quando estava no seu eu sozinha, e já te queria sem ter chance de dizer, e já te amava sem você nem perceber, e já não resistia mais e você sem se ater? Foi nesse instante que rasguei a gramática da individualidade e pelo chão ficou o pronome pessoal de primeira pessoa do singular, o substantivo masculino, a derivação imprópria do pronome pessoal, o sufixo grego, o latim ellu. O vento foi levando o eu que ansiava em ser nós.
Sentia que podia ter uma nova gramática aberta diante dos meus olhos. Qual o reduzido significado do nós gramatical? Reduzido porque é muito pouco ser apenas pronome pessoal da primeira pessoa do plural de ambos os gêneros, que funciona como sujeito, predicativo e regime de preposições. Reduzido porque enquanto pessoa gramatical, em nós, somos a imensidão do amor encontrado e como tal somos os olhos que veem, a boca que diz e pede, os lábios que beijam, as mãos que tocam, o corpo que roça, os pés que seguem em busca, a mente que imagina querer muito mais.
Apagamos o eu, rasgamos o individualismo gramatical, jogamos para longe o contentamento com o pouco e único e passamos a conjugar o amor na sua intensidade. E nessa flexão verbal descobrimos o que o nosso eu analfabeto ainda não havia descoberto até aquele momento: o amor é insaciável, faminto e sedento; o amor é doido de lua cheia e caçador de noites sem lua; o amor é silencioso e gritante, é macio e cortante, é infértil e gestante, é casado e amante, é bem próximo e distante; o amor é rima menos dor, é tudo que se faça, que se peça, que se viva por amor.
Hoje somos nós e conjugamos tudo como manda a gramática de quem ama: na terceira pessoa do plural. Aliás, já que não somos mais um eu individualmente e buscamos ser o nós eternamente, que tal tentarmos descobrir quem é essa terceira pessoa que vive no nosso plural? Pois é, um filho será sempre a terceira pessoa do plural de dois que se amam.
Nós...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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