DIAS DE TEMPESTADES E OUTRAS REALIDADES
Rangel Alves da Costa*
A manhã nasceu linda e logo as outras cores do dia foram sendo pintadas, com orgulho e com esmero, em cada objeto e lugar que formam o cenário da natureza e as paisagens da vida. Todo mundo acordou feliz nesse dia. Marina menina bonita logo escreveu uma poesia igualzinha a ela, linda; Joãozinho estava disposto a reatar o namoro com Joaninha; Lúcia virou cantora e cantarolou até numa língua que não entendia uma palavra sequer. Todas as janelas estavam abertas, as flores iam sumindo dos jardins, a criançada corria pelos campos. Que belo dia para a felicidade!
Que felicidade é essa que nunca dura além do instante que pensamos que estamos felizes? Passados os primeiros momentos do dia, quando os ímpetos acelerados vão dando lugar à calma e a realidade diante de todos passa a ter a mesma feição de dúvida de sempre, começam as indagações: Será que vou encontrar motivos para continuar com essa felicidade? Será que os acontecimentos serão mais de tristeza do que alegria? Será que não vou ter nenhuma surpresa desagradável? Será possível um dia, um só dia, que seja completamente feliz? Como estarei ao entardecer e chegarei ao anoitecer?
A ninguém cabe esquecer que a natureza humana anda em linha reta, curva e compasso com outra natureza, que é a dos fenômenos. Mesmo que imperceptivelmente, os muitos dos gestos e ações humanos são condicionados pela natureza que se estende diante dos olhos de cada um. Quem não diria que o sol lembra alegria, que a chuva causa tristeza, o entardecer traz saudades, a noite causa lembranças, e as tempestades, temporais e vendavais causam temor e espanto? Eis a necessária síntese entre o ser e o ser da natureza.
Aquelas pessoas amanheceram sorridentes, felizes, dispostas a viver e cumprir o seu dia sem o surgimento de qualquer coisa que as tornassem preocupadas, tristes, descontentes. Fizeram e fazem o que é possível para que os problemas não surjam, como se esquecessem de um dia para o outro de que a existência humana é marcada por avanços e recuos, sins e nãos, não querer e ter de aceitar. São antíteses, dicotomias, antagonismos e dualismos, fenômenos próprios nos seres humanos, que os colocam cotidianamente na linha divisória entre a felicidade e a tristeza.
Aquelas pessoas que amanheceram sorridentes não queriam, mas fenômenos da natureza começaram a ocorrer que afetaram negativamente aquela anterior concepção de dia. Eis que, de repente, as cores no horizonte começam a mudar, nuvens negras se formam, os ventos começam a soprar mais forte, o sol desaparece totalmente e a semi-escuridão se alastra diante dos olhos que não querem acreditar: mudanças na pressão e ventos dominantes, avanço de uma ventania avassaladora, turbulências, trovoadas, raios, vendaval, temporal, tempestade...
Os que estão em casa não podem sair, e nesse abrigo povoado de aflição e medo, a natureza humana também começa a se transformar: A mocinha logo diz a si mesma que se estivesse com ele estaria se sentindo mais segura e protegida; o rapaz olha da janela e diz que a vida é tão efêmera quanto aquela árvore frondosa que foi arrancada; a menina chora porque a chuva lhe faz lembrar de alguém que um dia amou e que jura não amar mais; o profeta de momento diz que aquele é mais um sinal de que o mundo está prestes a acabar; a dona de casa, ao ver as águas e a lama invadindo tudo esconjura todos os deuses e governantes.
E vem a noite que enxuga a vida e adormece as mesmas pessoas que esperaram ter um dia bem diferente do que tiveram. Algumas sonham correndo pela manhã ensolarada, tomando banho de riacho e se preparando para ter o dia mais feliz do mundo. Sonharam e levantaram com o sonho povoando o pensamento. Abriram rapidamente a janela, atravessaram a porta e abriram os braços agradecendo à natureza fascinante. Assim que olharam novamente para cima, viram lá longe um nuvem negra se aproximando lentamente. Tudo novamente? Fazer o que? É a vida...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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