O MENINO QUE NASCEU VERDE – IV
Rangel Alves da Costa*
Após o retorno de Sinhá Constança, o casal de sertanejos ficou matutando sobre o que haviam ouvido acerca de terem que se mudar pra outro lugar. Este seria o único remédio para salvar o filho. Se os relatos e as intuições se confirmassem, continuar ali no sertão seria o mesmo que entregar a sorte do menino ao querer do clima, dependendo da chuva, da pouca chuva ou de nenhuma chuva.
Mas como meu Deus, se o que possuem não dá nem pra chegar no meio do caminho? Vender o quê, o único pedacinho de terra que possuem, a vaquinha que de vez em quando dá leite, o cachorro, os tarecos de casa? Fazer o que meu Deus, se juntar os trapos e pegar estrada seria também morte certa? Aqui na terra, se valer de quem nessa hora, de algum político, de um algum fazendeiro? Não seria homem pra esmolar desse tipo de gente não, preferindo a morte do que se submeter a isso. “Se Deus fez a gente pobre é porque quis assim mesmo e é por isso que temos que arriscar tudo aqui mesmo. Não há outro jeito não, e ainda por cima se foi Deus que mandou o menino assim ele há de ampará-lo. Tá tudo nas mãos do Criador e seja como ele quiser”, disse Cosme para a mulher.
A pobreza alastrando-se pelo lugar e redondezas talvez fosse uma das formas de fazer com que o sertanejo ficasse ali fixado, sem ter condições de buscar uma vida menos sofrida em outro lugar. Os de maior posse eram reconhecidos pela casinha melhor, mais arrumada, pelas cinco ou seis vaquinhas, pelo pedaço de terra um pouco maior. Contudo, somando tudo, não chegava nem à metade dos bens de qualquer fazendeiro que possuísse terras nas proximidades.
Por isso mesmo a vida ali se resumia aos homens trabalhando noutras terras em troca de um mísero ganho, ao cuidar do pedacinho de terra pra quando a chuva vier, ao tanger e cuidar dos poucos animais que possuíssem e a esperar receber todo final de mês um pequeno pacote com alguns alimentos que era entregue na cidade. No demais, era a pobreza em pessoa, no lugar, nas faces e na perspectiva de todos. A esperança de dias melhores era o que ainda conduzia as pessoas naquele cotidiano de pobreza interiorana.
Quando a seca alastrava-se com ferocidade pelo lugar parecia que o mundo ia acabar. De fome e de sede gente e bicho morriam como para cumprir a sina sertaneja. Por mais dramática que fosse a situação, dificilmente alguém abandonava o lugar. Ir pra onde? Pra passar fome e outras necessidades preferiam ficar ali mesmo. Sair pelas ruas da cidade mendigando, esmolando qualquer coisa, não era do feitio daquela gente. Por isso mesmo é que quando chovia era como se estivessem nascendo de novo.
Agora, diante da situação criada pelo problema existente no pequeno João, a chuva não significava melhor ou pior jeito de viver, mas sim a vida ou morte. A não ser os pais do menino e a velha parteira, outras pessoas não sabiam da situação. Mas a verdade é que a chuva nunca foi tão essencial para o sertão como agora.
Até os três anos de idade, a vida do menino foi o reflexo das próprias condições climáticas. Quando chovia a criança ficava animada, mostrando vitalidade, sapecando pelos cantos com aquela sua cor de sertão com vida. Passado o período chuvoso, se a próxima chuvarada demorasse alguns meses via-se claramente que ele ia se debilitando aos poucos, entristecido e amuado na cama. Os pais sabiam que não era doença, que era simplesmente a estiagem que estava se prolongando. O pior é que não podiam fazer nada pra mudar a situação.
Mesmo com os períodos de seca já esperados, se as chuvas viessem com a regularidade de antigamente as coisas seriam diferentes, pois eles poderiam se preparar para as eventualidades. Mas não, com pé d'água caindo quando menos se espera e o sol castigando quando as nuvens carregadas deviam encobrir o sertão, tudo ficou desajustado na vida do homem do campo. Principalmente na vida do menino.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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