SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 12 de abril de 2010

O MENINO QUE NASCEU VERDE – II

O MENINO QUE NASCEU VERDE – II

Rangel Alves da Costa*



Primeiro contou a novidade ao pai. Ninguém nem imagina o que veio à mente deste, pois tava calado e assim ficou, só que mais pensativo. O que há de se fazer? Tal interrogação bem poderia estar povoando a mente de Cosme. Já com a mãe foi diferente, pois esta só acreditou quando pegou o menino e espiou de cima a baixo. Tava fraca ainda e por isso mesmo não teve reações mais fortes, resumindo-se a dizer que logo logo o seu filho voltaria a ter a cor normal, a ser moreno como os pais.
A parteira, sem ter uma intenção maior no que estava falando, disse uma frase que seria a chave para aquilo tudo: “Só mesmo no sertão. Primeiro vem chovendo que parece não acabar mais, depois me nasce um menino verde.”
Quando a velha parteira foi embora, Cosme se achegou pra perto de Joana e foi logo dizendo: “Não há de ser nada não muié, não demora muito pra o menino ficar da cor da gente. Mas o que Sinhá Constança disse ficou incafinfado aqui, e ela disse: ‘Só mesmo no sertão. Primeiro vem chovendo que parece não acabar mais, depois me nasce um menino verde’. Arreparou nessas palavras muié? Juntando uma coisa com outra, será que ela quis dizer que do mesmo modo que a chuva deixa tudo verdinho, o nosso filho nasceu com essa cor de planta quando chove no sertão? Mas isso é maluquice muié, quem já viu dizer que um menino ia nascer verde só porque choveu muito no sertão e tudo tá esverdeado?”
A notícia do menino que nasceu verde logo se espalhou por todas as redondezas. A chuva já tinha deixado de ser tão constante, e por isso mesmo nada menos do que dez pessoas iam todo santo dia ver de perto o tal menino. Diziam que só acreditavam vendo. Alguns, principalmente os mais velhos, se benziam na entrada e na saída da casa. Teve gente que chegou carregando vela na mão, outros carregavam rosários em posição de oração. Num desses dias, um grupo de beatas rumou até a casa do menino rezando ladainha e mais ladainha. Não faltou benzedor, curandeiro e até mãe-de-santo. Um dia um repórter apareceu por lá e o acontecimento foi estampado na primeira página do jornal: “A história do menino que nasceu verde.”
Dois meses após o nascimento de João, a chuva já tinha ido embora de vez do sertão. Tudo parecia normal, até que chegassem novas trovoadas, fato quem ninguém sabe predizer por aquelas bandas. Pode passar meses ou até anos sem chover, pois tudo no mundo roceiro caminha pelas forças da natureza, pelo desejo do Deus sertanejo. Nessa aparente normalidade também passou a viver a família do menino, vez que a enchente de curiosidade parece que havia passado, sem o alardeamento que se via antes sobre o caso. Eram raros os curiosos na porta da casa. O extraordinário, assombroso e estranho havia cedido lugar ao simplesmente diferente. Quem dera que fosse realmente assim.
Verdade é que um fato muito curioso estava acontecendo e sem ninguém perceber, nem os pais do menino nem os estranhos. É que quanto mais os dias passavam sem chover mais a cor da pele de João ia perdendo a sua tonalidade, esmaecendo, ficando mais fraca. O que era verde igual a folha quando renasce pela chuva, agora ia se tornando igualzinho à mesma folha quando começa a escassear a água, num verde pálido, se achegando ao amarelado.
Aos seis meses de idade João já estava com a pele nesse tom amarelado. Os pais haviam percebido isso e começou nova preocupação. Acharam melhor não espalhar o fato, mas resolveram chamar a velha parteira, Sinhá Constança, para conversar sobre o assunto. Com a experiência da velha sertaneja, quem sabe ela dizia alguma coisa sobre o caso. Ademais, aquelas palavras ditas meses atrás ainda estavam guardadas na mente de Cosme como um aviso. Lembra bem o que ela havia dito: “Só mesmo no sertão. Primeiro vem chovendo que parece não acabar mais, depois me nasce um menino verde.”
Ao chegar à tapera dos pais da criança, Sinhá Constança, após analisar cuidadosamente o menino, sem demora chamou Joana e Cosme pra frente da casinha, começou a olhar o tempo de nuvens azuis e sol escaldante e foi logo dizendo: “Olhem bem o que eu vou dizer. Há uns meses atrás, quando Joana deu à luz o menino e ele nasceu daquela cor, chovia pra não acabar mais. Já vão pra seis meses ou mais que não chove e ele tá perdendo aquela cor que tinha antes. Naquele período, os matos, as folhas, tudo estava também verdinho e agora já tá perdendo também a cor. Mas deve chover logo, o tempo não nega e vejo no ar que bem longe vem outra trovoada. Vai chover forte em menos de um mês. Depois que a chuva cair eu volto aqui para contar o resto dessa história. Enquanto isso, vocês não se preocupem não. Daqui pra lá a cor do menino vai esmaecer mais ainda, mas é assim mesmo. Depois eu conto tudinho".


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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