NO REINO DO REI MENINO - LIX
Rangel Alves da Costa*
Assim que o comandante chamou outro soldado para ficar guardando os prisioneiros enquanto iria dar o recado a Otnejon, os primeiros relâmpagos começaram a cortar o céu, ao passo que trovões ribombavam assustadoramente. Quando chegou onde estava o baixinho, este parecia mais uma pequena estátua em cima do seu cavalo, com os pingos da chuva caindo sobre o seu corpo disforme, imóvel como se estivesse paralisado e com os olhos vidrados, mirando não se sabe o que, sem pestanejar uma vez sequer.
Os homens que estavam ao seu lado avisaram ao comandante que tivesse o máximo de cuidado se pretendesse despertar o baixinho daquele estado, que começou a se caracterizar assim que os relâmpagos e trovões começaram a dar seus sinais. Mas o recado tinha de ser dado, e com urgência. Desse modo, tocou no ombro e o que viu foi o seu rei desabar pelo chão, caindo de jeito tão esquisito que parecia ter morrido.
A queda, contudo, fez com que ele despertasse de tal modo que se levantou abruptamente e, assim que ouviu novos trovões ainda mais fortes, começou a correr como verdadeiro raio, sem que ninguém pudesse contê-lo, passando por entre as fileiras de cavalos e indo parar somente aos pés do animal onde estava o menino rei, que não estava entendendo nada daquilo. "Socorro, socorro, me tire daqui, me leve daqui, senão aquele bicho barulhento lá de cima vai descer e me pegar!", implorava o baixinho, totalmente enlouquecido e aflito.
"Mas o que é isso mesmo que está acontecendo aqui?", perguntou o menino, ainda querendo entender aquela situação e principalmente saber quem era aquela pessoa esquisita que estava ali chorando e dando pulinhos desastrados aos pés do seu cavalo. Um dos seus comandantes veio rapidamente e lhe cochichou ao ouvindo, informando sobre quem se tratava.
- Mas quem diria que este é o grande, o maior – Sorriu olhando para o tamanho do medroso –, o mais valente e destemido dos borra-botas, dos safados, dos covardes, de tudo quanto não presta... – Falava em voz alta, agora diante dos soldados inimigos que estavam à sua frente, boquiabertos, sem saberem o que fazer, até mesmo amedrontados. E continuou:
- E agora está aqui se mijando todo aos pés do meu cavalo. Amarrem ele e levem agora mesmo para as masmorras mais fétidas que daqui há pouco darei o destino que ele merece. Não, esperem um pouquinho, enquanto ele ouve amarrado e prisioneiro o que tenho a dizer a esses homens que estavam sob suas ordens e que erradamente pensavam que poderiam invadir o meu reino.
Os homens das tropas do baixinho estranhamente não mostraram nenhuma reação, não ameaçaram invadir a qualquer custo ou mesmo quiseram atentar contra a vida do rei menino que estava tão próximo. Pelo contrário, se aproximaram e baixaram as armas para ouvir o que Gustavo estava falando:
- Como vocês estão vendo, essa vergonha que se proclamava rei jamais voltará para as terras de Edravoc. A partir de agora aquele reino é uma terra livre desse tirano e assassino. E vocês, como bons soldados que são, passaram a ter a chance de comandar os destinos daquele território e suas riquezas, bastando que voltem e se reúnam para escolher um comandante e assim recomeçar um verdadeiro e digno reino. E para que não recomecem do zero tenho um presente para lhes oferecer, pois a coroa real que seria entregue como troca nas mãos do baixinho safado, agora será ofertada, como um compromisso de paz, a um dos seus comandantes, que a levará e poderá vendê-la para adquirirem uma grande fortuna e assim reconstruírem as suas vidas e a daquele povo sofrido.
Aplausos e gritos de alegria se misturaram ao barulho da tempestade e aos clarões dos relâmpagos. A falsa coroa foi entregue e os soldados fizeram um recuo e se retiraram em seguida, fazendo gestos de grande satisfação. Gustavo, ainda portentoso em cima do seu animal, estava todo sorridente e feliz ao verem os homens indo embora, totalmente iludidos, enganados por uma coroa que lhes traria a morte dali a instantes.
Somente o menino rei sabia que mais adiante abririam a pequena arca contendo a coroa e quando esta entrasse em contato com os raios da tempestade passaria a refletir uma luz tão intensamente mortal que nenhum daqueles homens suportaria e todos sucumbiriam ali mesmo, restando somente a lama das cinzas molhadas dos seus corpos.
Ao redirecionar seu olhar, Gustavo viu duas pessoas paradas e abraçadas a uns dez metros de onde estava. Eram os seus pais, segurando-se ainda em pé não se sabe como, porém agora livres, libertos para retornar e retomar suas vidas em Oninem.
Pulou rapidamente do cavalo e correu naquela direção, quando viu seu pai levantar a cabeça e olhar ternamente bem dentro dos seus olhos e depois levar as mãos ao coração e ir tombando. Ainda teve tempo de segurá-lo nos seus fortes braços de criança, mas não havia mais nada a se fazer. Lucius, o ex-soberano de Oninem estava morto, nos braços do filho.
Abraçados, naquele momento de alegria e dor, mãe e filho pareciam não ter palavras para traduzir aquela situação. Com a voz fraca e já sem lágrimas que pudesse chorar, mesmo assim ela falou ao seu menino: "Não fique triste não, filho querido. Eu sabia que ele não suportaria voltar a Oninem depois de tudo que fez e principalmente olhar na face do filho pequeno que ficou abandonado e se tornou um grande homem, um grande rei".
Depois dessas palavras, Gustavo deu um grande abraço na mãe. E ainda agarrado ao seu corpo pôde enxergar bem distante um grande clarão se formar e depois ir apagando lentamente.
continua com o último capítulo...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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