QUE SITUAÇÃO!
Rangel Alves da Costa*
O homem, depois de dois dias ausente de sua casa, chega no meio da noite na esquina da rua onde mora, com o maior temporal do mundo caindo ao redor, assim que levanta a cabeça debaixo do guarda-chuva para enxergar adiante, consegue perceber que a luz do seu quarto, no andar superior, está acesa e que tem alguém do outro lado da vidraça.
Estava sozinho, não havia deixado as chaves com ninguém, não estava esperando nenhuma visita, então aquilo não poderia estar acontecendo.
O homem pega o telefone celular, não consegue completar a ligação porque o sistema está em pane, vai até o orelhão ao lado e disca o número de sua casa e consegue ver que a pessoa que está no seu quarto sai da detrás da vidraça e vai atender o telefone que toca. Quando diz alô e pergunta quem está falando, a pessoa tem a sua voz e diz o seu nome.
Ora, se o homem está na esquina da rua onde mora, na solidão da noite chuvosa e olhando pra sua casa que fica no fim da rua, no meio da fileira de outras casas paralelas, e tem certeza que não está em casa porque está ali e, portanto, não poderia estar atendendo um telefonema como se ele estivesse falando com ele mesmo, alguma coisa estranha estava acontecendo.
O homem repete duas, três, cinco vezes a ligação e tem certeza que a voz que atende no outro lado é a sua voz e ainda por cima confirma o seu nome. Resolve então fazer outras perguntas à pessoa e diz que aquilo não poderia estar ocorrendo porque a casa estava fechada e ele está no início da rua, faltando pouco pra chegar onde mora, e por fim pergunta o que está fazendo ali.
A pessoa que diz ser o próprio responde que não via nada errado com aquilo, pois encontrava-se em casa, na sua janela vendo a chuva cair noite adentro e apenas estava esperando ele mesmo chegar. Que situação.
Telefona mais uma vez e diz que vai chamar a polícia no mesmo instante para resolver aquela situação, e que por isso mesmo achava melhor que ele saísse dali imediatamente. Do outro lado o outro responde que se desejasse fazer isso mesmo não tinha problema algum, pois não surtiria nenhum efeito e nem a polícia poderia fazer nada, pois não havia praticado crime algum e que apenas estava dentro do quarto de sua casa, de luz acesa e na janela esperando ele próprio chegar.
O problema aumentou ainda mais foi quando a outra pessoa que se dizia ele mesmo começou a inverter toda a situação, perguntando por que estava ali e onde tinha estado que chegou naquela hora da noite, quando não se lembrava de ter saído de lá hora nenhuma. Por isso mesmo teria que subir agora mesmo para dar explicações.
O homem pensou que havia enlouquecido, resolveu se molhar para ficar encharcado e sentir frio, e assim ter a certeza que estava consciente do que fazia; tocou campainhas de casas para ver se alguém lhe atendia, olhava para os lados para ver se o vigilante da rua chegava, olhou para ver se enxergava algum bar ou lanchonete abertos naquela hora e não conseguiu nada disso.
De repente, o seu telefone celular toca embaixo do guarda-chuva e corre para atender. Era ele mesmo dizendo que era loucura estar se molhando daquele jeito, pois não havia completado ainda três meses que havia ido parar no hospital com sintomas de pneumonia. Ademais, Marina não estava mais ali para lhe ajudar se adoecesse novamente. No armário não tinha mais nenhuma aspirina nem expectorante. Assim, deixasse de loucura e viesse logo para o aconchego do seu lar.
Mas como aquela pessoa que diz que sou eu sabe disso tudo? Como é que sabe da doença, que Marina está viajando e que precisava comprar medicamentos básicos e de uso rotineiro para colocar no armário? Como é que sabia o número do celular?
O homem resolveu que esperaria amanhecer ali mesmo na rua, evitando assim qualquer contratempo. Sentou embaixo de uma marquise e ficou observando ele mesmo, segundo o outro, lá no seu quarto, atrás da vidraça molhada. Adormeceu profundamente e só acordou quando o entregador de pão chegou cedinho e chamou perguntando se havia bebido muito na noite anterior para estar dormindo ali quando a casa estava tão próxima.
Resolveu não dar explicações. Olhou pra janela, viu que não tinha ninguém e pediu ao rapaz que o acompanhasse até sua casa. Tinha algumas roupas seminovas que talvez servissem pra ele. Chegou em casa acompanhado do entregador e a primeira coisa que fez foi ir até o seu quarto e verificar se havia alguma coisa diferente, mas tudo estava normal, como havia deixado.
Passou o dia inteirinho pensando naquilo. Ao anoitecer começou a chover forte novamente, e como estava com insônia ficou ali próximo à janela olhando para o local onde estava na noite anterior. De repente pôde enxergar uma pessoa virando a esquina com o seu mesmo aspecto físico, com roupa que mais gostava de usar e com um guarda-chuva igualzinho ao seu. Não pode ser, pensou.
Daí a pouco o telefone tocou. Era ele mesmo falando do outro lado da linha e dizendo que era impossível que alguém estivesse ali naquele instante.
Que situação!
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário