SER SERTÃO: DA ARTE DE NAMORAR – I
Rangel Alves da Costa*
O velho, com um lampejo de saudade nos olhos, deixava transparecer um fiozinho de vontade de voltar ao passado. Viagem com direção certa, encontro marcado com flor de açucena, ou seria com a rosa da janela em dias de festa no coração? Ah! o tempo, o tempo, por que leva as flores se as mãos dadivosas ainda sabem, querem, desejam cultivá-la? Por que vem a ventania e destrói jardim e deixa jardineiro somente com as saudades? Espinhos do tempo, quanto dói o sangue imaginário derramado pela tua ausência...
Que soe a saudade em sons de chamado, pois o velho não duvidaria partir. Que bom que se pode amar na lembrança! O coração acolhe, entrega as chaves à imaginação. Como foi bom, como é bom amar. Ah! o tempo, o tempo, cruel fronteira entre a presença e a ausência. Parem o tempo, chamem a vida, e venha querida, vamos que logo será muito tarde. Tarde e ainda ardem no velho tantas recordações.
Quando o velho abria na memória o seu livro encantado de recordações desafiava a razão, confrontava de morte a solidão. Quem não conhecesse os segredos do amor diria que a loucura havia tomado posse de vez de um velho que queria falar como se fosse jovem, e ainda por cima um jovem que vinha com histórias sem pé nem cabeça. Quem já viu, nesse mundo que só vale o venha nós, ainda querer falar em amor, honestidade, sinceridade, respeito, paixão e tudo que está na contramão do bem-bom, da safadeza? Ora, esse velho metido a rapazinho é maluco mesmo!
Maluco até que podia ser, porém doidinho para ajuizar a juventude, para colocar na cabeça de tantos o juízo que parece ter passado por longe. Preocupado com isso, o velho não se cansava de conversar com os jovens, ao menos aqueles que respeitosamente queriam ouvir as lições. Tentava abrir brechas naquelas personalidades ainda em formação, como meio de semear conceitos, aconselhar e demonstrar que as coisas não eram tão simplistas e vulgares como muitos pensavam.
A realidade é esta, mas não é e nem deveria ser assim, dizia o velho. O que é abundante hoje, é festa costumeira de se ter e uma mina tão rica que cega a consciência, amanhã certamente mostrará o seu outro lado, sua outra face voraz. E de repente já é tarde demais. Essa face é faca cortante, de fio impiedoso, podendo arrancar de vez toda a dignidade futura. Quem se entrega aos desvarios hoje, se completa em ser apenas uma metade para outros usarem, depois se vai a outra metade e sem que se perceba só restarão os farrapos. E como a ventania da vida gosta de carregar os farrapos dos seres que não querem ser. Aquele que quer ser completo completa-se por inteiro, sem deixar vazantes nas suas estruturas. Tudo isso dizia o velho.
Muitas coisas atormentavam o velho. Chegou mesmo a implorar que do céu baixassem espelhos que refletissem, lado a lado, o que se faz e o que teria de feito. Está assim, mas deveria ser assim. Que quebrem os espelhos, mas que cada caco de vidro sirva ao menos para perfurar os pés e alertar aqueles que insistem em caminhar pelo perigo e de encontro ao nada encontrar. São tantos caminhos bons abertos para a juventude. Mas não, os festins insaciáveis desesperadamente chamam, venha, essa lama na estrada não há de ser nada. Lavou tá novo. E vai uma multidão, enlameada até o espírito.
O entroncamento que deveria indicar percursos nada indica. Pais que veem seus filhos abrirem portas não sabem como os mesmos voltarão. Intui-se mesmo que a felicidade familiar estanca, emperra nos primeiros momentos que surgem as desconfianças de que sua linda mocinha encantou-se por um dos muitos gaviões à espreita, na espia, de garras manhosas, prontas para pegar a presa. Como os pais não podem prender a menina, só resta implorar para que o pior não aconteça. Sua mãe, que sempre foi tão recatada, séria, talvez que sirva de exemplo. Talvez, quem sabe...
Por isso mesmo, por todos os desvirtuamentos existentes, é que o velho repugnava o namoro de hoje, tinha verdadeiro asco, repulsa. Namoro uma ova, dizia baixinho. Quando os pais, na maior inocência do mundo, pensam que os filhos estão apenas se encontrando, conversando, trocando carícias e beijos tímidos num banco de praça, eles já estão nas escondidas, atrás dos muros, por entre as moitas, por cima das covas do cemitério, na maior safadeza. E depois e depois... Ah! esse velho com suas velhices! Seriam maluquices?
Nos tempos não muito distantes não existia essa sem-vergonheira toda que se tem hoje, infelizmente. Havia respeito próprio, perante o outro e pelas famílias. O namoro era uma coisa sensata; o casamento era uma virtude admirada por todos. Basta retroceder um pouco o olhar e ter a certeza de que o namoro era coisa muito mais séria do que muitos casamentos que se vê hoje. Existia mesmo um ritual que envolvia o relacionamento num véu de respeito e consideração entre os namorados e seus familiares.
continua...
Advogado e poeta
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