VOU CONTAR UM SEGREDO (Mas não diga a ninguém não)
Rangel Alves da Costa*
Conheci um padre, já de idade avançada e mais que no tempo de se respeitar, que ao invés de utilizar o confessionário da paróquia para ouvir o sacramento da confissão e transmitir palavras e conselhos proveitosos e com seriedade, utilizava aquele instrumento religioso precisamente para fazer umas das coisas mais abomináveis da vida, que é a fofoca.
As beatas e fiéis, coitadas, que chegavam ali todas se remoendo por dentro de remorsos e com o espírito e a carne mais contaminados pelas coisas mundanas que o próprio pecado, se ajoelhavam e jogavam cabisbaixas suas verdades comprometedoras e seus segredos mais íntimos para o velho pastor da vida alheia. Atentamente ele ouvia tudo, se admirava sempre com as revelações escabrosas; muitas vezes se benzia seguidamente, mas depois quase sempre esquecia de prescrever, por exemplo, cem ave-marias ou duzentos pai-nossos.
Pelo contrário, aproveitava a ocasião para fofocar, para contar segredos que uma arrependida pecadora havia lhe confessado há meia hora atrás. Assim fazia com tudo mundo. Cada uma que saía do confessionário já ia pra rua sabendo dos podres da outra. E na rua, como se sabe, a fofoca vai sendo repassada, aumentada, se transformando em mentira, em mentira maior ainda, e de repente o estrago já está irremediavelmente feito. Era de se chegar um tempo que todo mundo olharia para o outro desconfiado.
Certa feita esse padre contou para uma beata, famosa fofoqueira, um segredo de confissão que causou o maior estrago do mundo, um verdadeiro terremoto na cidade, onde determinada estrutura familiar e a reputação de uma mocinha, de tão abaladas nunca mais foram as mesmas.
Tudo começou quando o safado do sacerdote disse baixinho à beata do outro lado do confessionário, com o ouvido coladinho na madeira: "Minha filha, isso que me contou é deveras preocupante, mas nada que uma rezinha qualquer não dê jeito. O pior ouvi há pouco instante. Vou contar em segredo, mas fica somente entre nós dois, hein? Não é que a mãe da Marininha está preocupada porque ela anda tendo uns enjôos diferentes. Deus queira que não, mas...".
Cinco minutos após a vizinha da beata fofoqueira, jurando por tudo na vida que não ia contar a mais ninguém, ficou sabendo que Marininha, a filha do prefeito, e que não tinha namorado, estava sentindo uns sintomas daqueles que só sentem as grávidas. Escondidinho, esta pulou um muro bem alto dos fundos do quintal, e foi dizer mais adiante a uma amiga que a filha do prefeito, aquela que era metida a santinha, já estava com quatro meses de gravidez.
Vejam só como são as coisas, como se dá o percurso da fofoca: há poucos instantes o padre disse que uma mocinha estava com uns enjôos diferentes, quem ouviu isso já foi contar que tudo indicava que ela estava grávida, e a outra ouvinte já repassou que a mocinha já estava grávida e com quatro meses de gravidez. Ao ouvir isso, na surdina, outra que não tinha o que fazer, correu pra contar a uma amiga que Marininha estava correndo risco de morrer porque ia fazer um aborto, escondido na capital, já com cinco meses de grávida.
"E quem embuxou a sonsinha, já que nunca foi vista com namorado?", indagou uma, baixinho, no ouvido da outra. "Mas você não vai acreditar no que ouvi dizer mulher, pois me disseram, até jurando pela alma do pai, que quem fez isso foi o filho de Zeca Barbeiro". "Já me disseram que a família toda sabe que fui o próprio primo dela, aquele que mora na capital". "Só sei que a qualquer instante ela vai parir, e o pai pode ser até mesmo o safado do Lucas. Me contaram que não faz muito tempo e pegaram ela baixando a saia apressada lá no fundo da igreja". "A verdade, amiga, é que a dita toda sonsa e santinha vai parir. Tanto faz quem seja o pai. São tantos que falam que nem sei. Também o povo daqui mente muito, inventa demais, e pode ser quem menos a gente espera. Deus me livre de gostar de mentira e sair por aí levantando aleivo dos outros".
A verdade é que Marininha e sua família foram os últimos a ficar sabendo dessa história toda. E quem fez o relato final falou que na poderia falar o nome de quem lhe contou porque havia jurado a essa, que já havia jurado a outra, que nunca ia dizer o nome de quem começou essa conversa toda que foi se espalhando pela cidade.
Diante dessa situação, e não se poderia esperar nada diferente, a mãe de Marininha esculhambou até dizer chega com as fofoqueiras da cidade. Mas disse pra arrebentar mesmo. Ninguém botou as caras na porta nesse dia.
Para aliviar seu espírito pelas palavras duras proferidas, a mãe da mocinha resolveu se confessar. Assim que chegou ao confessionário o padre lhe perguntou: "Quando vai nascer o bebê de Marininha?".
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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