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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 20 de abril de 2010

A ILHA SOLITÁRIA (Crônica)

A ILHA SOLITÁRIA

Rangel Alves da Costa*


Não conheço nada debaixo do sol que seja mais solitário do que uma ilha. Até o conceito de ilha provoca uma sensação de solidão: prolongamento do relevo, cercada de água por todos os lados, num oceano, mar, lago ou rio; porção de terra, isolada do continente pelas águas. Tudo isso nada mais é do que a água separando a terra da terra, isolando-a, deixando-a solitária.
Uma ilha é assim, algo como se fosse uma terra desprezada pela vastidão do continente, que por motivos que a natureza guarda a sete chaves, degredou, deportou, relegou ao abandono bem no meio das águas, que para não tentar fugir nas noites de luar, nadar de volta pra praia e namorar novamente com a digníssima esposa do rei dos sete mares, mas que mora em terra firme.
Lá, no seu cantinho, rejeitada pelas orlas e pelas margens, a ilha vive o seu drama de ser paisagem de beleza que esconde em si mil sofrimentos, histórias de abandono, de náufragos desesperados, de medo e de dor. Assim, a exuberância da paisagem apenas encobre um cenário que só conhece quem vive na ilha os temores e as desesperanças da ilha.
Dizem que um famoso imperador francês, como castigo porque quis se tornar um deus da espada e do sangue, foi levado desterrado para uma ilha com um nome de santa, a quem implorou para que tivesse a solidão do abandono a menos dolorida possível. Não suportou ali suas próprias recordações e morreu solitário e triste, o que prova que o paraíso insular também é de dor, de desespero, de vontade de fugir e ir pra qualquer outro lugar. Menos ficar, pois ilha só acolhe com menos sofrimento aquele que vê nela a única saída para não morrer nas águas.
Dizem que um aventureiro solitário um dia chegou numa ilha e ficou tão encantado que achava que ali era um local de paz em sua plenitude, até descobrir que não estava sozinho e quase tudo ao redor era de ameaças, de medo e de terror. A própria natureza, tão encantadora por todos os arredores, guardava em seu seio olhos que diziam que a ninguém é dado o direito de viver em paz, mesmo que numa ilha. Pelo contrário, pois a ilha nada mais é do que o microcosmo do mundo em todo seu espanto.
Mesmo que na ilha não haja um vivente ou sobrevivente sequer, ainda assim ali fará moradia a solidão com os seus habitantes ocultos: certeza de vazio e isolamento, profunda separação, dor, angústia e outros sentimentos e ressentimentos, tais como sensação de abandono, insegurança, senso de rejeição, descrença e falta de esperança. Ninguém vê, impossível de enxergar, mas todas as vezes que o vento sopra nos coqueirais ou as ondas se aproximam na praia, é como se todos esses sentimentos estivessem dizendo que estão presentes, pois agem para atormentar ainda mais a solidão da ilha.
Mas o pior é que a solidão, igual ao personagem do livro, não está vivendo sua solidão sozinha na ilha solitária. Insista-se: solidão sozinha na ilha solitária, porque a noção de solidão não se contenta em ser só solidão, e tem que ser também com todos os detalhes que digam uma coisa só: solidão é tão só que não quer nenhuma solidão ao seu lado quando está só. Contudo numa vem ou está desacompanhada. Daí que para complicar a vida da ilha solitária, descobriu-se que cada planta, cada folha, cada, musgo, cada bicho, cada grão, cada vento, cada onda e cada tudo, tudo sofria. Era uma ilha de solidão e sofrimento, cercada por elementos solitários por todos os lados.
Assim, a ilha solitária, vivendo povoada por elementos solitários e tristes, um dia pensou em se afogar nas águas para dar cabo de vez a todo aquele martírio e desesperança. Porém, numa tarde de brisa entediada enxergou ao longe um pequeno barco que se aproximava mais e mais. Alegrou-se um pouco porque poderia estar chegando um visitante que falasse de coisas boas e que o mundo existe e nele ainda é possível ser feliz. Mas não, era apenas um barco vazio, solitário, que aportou nas margens e não demorou muito para se despedaçar e ser levado pela correnteza.
Esse ao menos teve coragem, pensou a ilha...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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