MARINA NÃO TEM MAIS LÁGRIMAS
Rangel Alves da Costa*
Marina nasceu, chorou e as lágrimas caíram; se arrastou, andou, pulou, correu, caiu e as lágrimas caíram; brincou, cresceu, sonhou, duvidou, se amedrontou e as lágrimas caíram; estudou, paquerou, namorou, ganhou, perdeu e as lágrimas caíram. Marina viveu na alegria e teve que conviver com a tristeza; ela sorri e ainda chora, mas não tem mais lágrimas. Qual rio levou nas suas águas as lágrimas de Marina?
Lágrima, a lacrima latina, é bonita até no nome e pode ser vista de modo diferente pelo que apenas vê o outro lacrimejar e pelo que se banha em pranto porque o instante deseja se molhar. O outro vê apenas anatomicamente, e para este a lágrima não passa de uma gota de líquido incolor e salgado, produzido pelas glândulas lacrimais, que umedece a conjuntiva e a córnea e mantém os olhos livres de poeira e corpos estranhos; como uma substância lubrificante produzida pelas glândulas lacrimais do olho, que são vertidas em abundância durante o choro.
Para o que se derrama em prantos a lágrima pode ser a expressão do sentimento de dor, de alegria, de perda, de tristeza, de solidão, de abandono, de prazer, de medo, de angústia, de saudade, de lembrança, de vitória e de contentamento. Seja como for, ela vai subindo do coração até os olhos, molha-os para limpá-los e enxergar melhor a extensão do motivo e depois vai silenciosamente se entrincheirando no canto do olho e em seguida começa a desaguar pelo leito da face/rio. É a natureza humana se expressando como natureza.
Marina já foi nuvem carregada, já foi inverno e seus temporais, tempestades e trovoadas. Marina já foi nascente e fez surgir diante de si o maior dos maiores dos oceanos, e que não era o Pacífico, mas o oceano/vida e seus afluentes, conhecidos como sentimentos. Que estranha meteorologia: o pequeno baú, fotografias, cartas, a música, o poema, o filme, as palavras, a tarde, a chuva, a janela aberta, o por do sol, o anoitecer, a lua, as estrelas, a solidão, o pensamento, a lembrança, a saudade, o aperto no coração. Esqueci o lenço Marina.
Numa tarde, dessas de coqueirais e vento agitando as folhagens, Marina estava na sua janela observando ao longe aquela imensidão de azul no horizonte. Estava imaginando o quanto seria bom se toda tristeza fosse somente aquela em que a pessoa entristece apenas com a calma e a paz do momento, numa reflexão e viagem que sempre acaba numa lágrima despercebida. Mas diferente é a vida abaixo do horizonte, ela sabia.
E tanto sabia que decidiu que jamais seria omissa diante da realidade, fingir que não via nada acontecer, mentir pra si mesma. E nesse confronto vivo com a realidade, olho a olho com o aqui e além, Marina decidiu que resolveria tudo aquilo num único dia. Nesse dia reviveu seus mortos, lembrou do que já deveria ter esquecido, se culpou por um monte de coisas, avistou as vítimas da fome, da miséria e da violência. Ora, continuar chorando pelo que é cada vez mais crescente não iria resolver nada. E chorou tudo o que tinha de chorar naquele dia, e não sobrou mais nem uma só lágrima para ser chorada.
Hoje Marina não tem mais lágrimas que transbordem pela face e queira justificar qualquer coisa. O preocupante é que Marina também não chora mais, ao menos externamente. Como conseqüência disso também não deveria sofrer e entristecer. Mas ela continua alegre e triste, e toda vez que está demasiadamente assim vai para seu cantinho ou sua janela e pega uma gotinha daquele seu oceano e coloca no canto do olho.
Advogado e poeta
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