O MENINO COM A FLOR NA MÃO
Rangel Alves da Costa*
Logo cedinho, assim que passava pelo jardim da casa bonita, o menino saltava a mureta, pegava uma flor e depois seguia adiante com a sua caixinha de engraxar sapatos e o seu passo lento. A primeira coisa que fazia era ficar observando atentamente a flor enquanto caminhava, como se a cada dia a espécie que levava tivesse uma história nova pra contar na sua cor, na sua feição e no seu perfume.
O jardineiro da casa bonita não mais xingava, brigava ou tentava impedir que o menino passasse por ali e recolhesse cotidianamente sua flor. Até deixava que ele entrasse pelo jardim e escolhesse a flor que quisesse, segundo o desejo do seu olhar naquela manhã. A única coisa que ainda cismava o rapaz e o deixava curioso era para saber o que o menino fazia depois que pegava sua flor e saía por aí.
Será que ele joga fora ali adiante, ao virar na primeira esquina? Será que vai tentar vendê-la e comprar qualquer coisa? Será que tem alguma namoradinha para entregar a flor? Será que vai colocá-la próximo ao altar da igreja? Será que vai ao cemitério depositá-la no túmulo de algum parente ou amigo? O que será que esse menino faz com a flor que leva todos os dias daqui? Ficava se perguntando o jardineiro. Um dia perguntaria a ele.
Mas não era nenhum mistério o que o menino fazia com a flor. Quando saía do jardim, todo feliz pela flor bonita do dia, bem que gostaria de ir entregá-la diretamente nas mãos de uma pessoa que gostasse muito, assim como sua mãe ou uma namoradinha. Porém não tinha nem uma nem outra. A primeira, se ainda existia não sabia, e a segunda ainda não existia, mas sonhava em conquista-la brevemente. Toda menina gosta de flor, e todo dia eu tenho uma flor para dar a ela e assim não tem como ela não me amar, ficava imaginando. Mas o destino que ele dava ao seu precioso objeto das manhãs era outro.
Na sua inocência, no seu coração sem maldades, o menino levava a flor para qualquer pessoa. Isso mesmo, qualquer pessoa. Assim, se via uma senhora fazendo sua caminhada matinal, lá ia ele oferecer a flor com a maior alegria do mundo. Se encontrasse alguém entrando na igreja no momento que passava, simplesmente pedia que depositasse a flor perto Deus, que era pra ele achar a flor bonita e ajudar a todos, era o que dizia. Muitas vezes ele mesmo entrava na igreja e ia até onde as velas eram acesas e colocava sua florzinha como se fosse luz.
Outras vezes, quando não encontrava ninguém que achasse merecedor do presente, simplesmente sentava no banco da praça e, enquanto aguardava que alguém quisesse engraxar os sapatos, ficando apreciando pétala por pétala e sonhando, viajando, fazendo planos para o dia em que pudesse ter um jardim imenso, todo florido, com um pé de flamboyant e uma esposa linda ao seu lado para, nas tardes bonitas e de poesia na natureza, esquecer a vida e viver cada momento de amor.
Um dia, o menino da flor na mão seguia seu destino com a flor mais bela que já havia colhido. Não durou muito e encontrou uma madame passeando com o cachorrinho de estimação. Ao se aproximar da senhora e dizer que aceitasse aquela flor que estava oferecendo com carinho, ouviu desta que saísse dali, não se aproximasse do seu cãozinho, pois este tinha acabado de tomar banho e ser perfumado, e que ele com aquela roupa suja poderia infectar o seu bichinho. Tudo bem, nem todo mundo é assim, mas é assim mesmo, disse a si mesmo o garoto e prosseguiu com a sua flor na mão.
Encontrou uma garotinha que brincava no parque e foi entregar a flor. A mãe desta, que estava nas proximidades, começou a fazer o maior escarcéu: "Ladrão, ladrão, socorro, este menino pobre e imundo quer roubar o biscoito de minha linda filha". Foi preciso que acalmassem ela, dissessem que todos ali conheciam o menino e que o mesmo só estava querendo oferecer a flor, somente, pois fazia isto com todo mundo. Mesmo assim a mulher saiu dali toda estressada, dizendo que as flores deviam escolher melhor as mãos que poderiam segurá-las.
Nesse dia o menino resolveu que não daria aquela flor a ninguém. Ao entardecer levou para o barraco onde dormia e colocou cuidadosamente a rosa num copinho de água e a deixou num canto, em cima de um banquinho. Quinze anos se passaram e a flor nunca murchou. E hoje, no seu jardim imenso e embaixo do flamboyant, ainda lembra de tudo olhando a flor ainda ao seu lado. Só faltava mesmo o amor para entregar, ainda, aquela mesma flor.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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