A PONTA DO LÁPIS DE ZEZINHO
Rangel Alves da Costa*
Assim que Zezinho entrou pra escola deram a ele um caderninho, uma borracha e um lápis. Só que o lápis do menino não tinha e nem nunca teve ponta. Levava o lápis no bolso mas não escrevia as lições e nem podia desenhar a professora. Cada lição ele fingia que escrevia mas guardava tudo na mente, na memória, onde tinha a certeza que jamais seria esquecida num canto, rasgada ou apagada. Zezinho ficou até conhecido como o menino do lápis sem ponta.
Zezinho foi crescendo e foi aprendendo as lições da vida em outra escola, esta sem quatro paredes, sem quadro de giz na parede e professorinha. Que escola grande é essa onde Zezinho tem que aprender, com um sol ou uma lua como teto; quadros com realidades de miséria, pobreza, abandono, desrespeito e atentado às condições mínimas de sobrevivência com dignidade humana. Todo mundo é professor de si mesmo, ensinando diuturnamente que a grande lição da vida é simplesmente torná-la menos dolorida.
Zezinho hoje é formado, com doutorado em luta, desafios e esperanças por dias melhores. Não esqueceu a primeira lição que diz que é preciso aprender para crescer, e nem a última, onde aprendeu que o homem com dignidade jamais deve se curvar para reverenciar o outro que lhe quer submeter, subjugar e ainda escravizar. A ponta do lápis do menino apareceu somente agora, e não é de grafite não, mas sim na ponta da língua, na voz, nas palavras que se tornaram instrumentos de conscientização das pessoas que vivem ao seu redor.
Zezinho continua pobre. Prometeram a ele um emprego de não fazer nada, porém não aceitou quando soube que receberia somente uma parte do salário e a outra iria para não sabe onde. Foi denunciar tal fato num jornal, mas quando disse o nome de quem estava por trás disso quase foi expulso do lugar. "Você vai ser preso se continuar falando essas inverdades sobre o nobre parlamentar, cujo único erro é querer ajudar pessoas mal agradecidas quanto você. Se ele ficar sabendo que forjou essa mentira para prejudicá-lo estará até mesmo correndo risco de vida. Agora saia e não olhe nem pra trás, do contrário telefonarei para o nosso benfeitor agora mesmo", foi o que disse o jornalista.
Não se intimidou e procurou o Ministério Público pensando que iriam ouvi-lo e apurar a denúncia. Ledo engano, pois também afirmaram que ali não era órgão para apurar afirmações inconsistentes. Foi orientado a esquecer o caso, para o próprio bem. Nem pestanejou e foi procurar a sede da oposição.
Chegou convicto de que a acusação que tinha a fazer seria um prato cheio para que os inimigos políticos destruíssem a carreira política do parlamentar corrupto. Contudo, outra decepção. Simplesmente alegaram que explorar um fato como aquele seria colocar em risco até mesmo os parlamentares da situação, pois aí muitos podres seriam descobertos e ninguém queria isso. Seria melhor deixar como estava, cada um recebendo a parcelinha do salário, que na verdade pertencia ao deputado, foi o que disse a assessora. E que ele mesmo revisse a proposta oferecida.
Totalmente indignado, raivoso até dizer chega e com os absurdos ouvidos lhe corroendo por dentro, sentou no primeiro banco de praça que encontrou. Levantou a cabeça, e ao mesmo tempo em que mirava as nuvens que passava e imaginava como seria a vida sem as desonestidades, as imoralidades e os desvirtuamentos de condutas em todos os setores da vida, decidiu intimamente que jamais se deixaria levar por tais tentações nem que seria agente passivo diante da prática de tais arbitrariedades. Resolveu usar a ponta do lápis que tinha, que era a voz e a coragem.
Assim que retornou à sua comunidade logo correram para lhe avisar que, não se sabe como, o seu barraco havia sido totalmente destruído pelo fogo, num incêndio de uma hora pra outra, que atingiu somente onde morava. Nem quis ir lá verificar a situação e saber o que tinha restado do seu quase nada. Mas disse, bem alto para quem quisesse ouvir, quais as motivações que poderiam estar por trás daquilo tudo. O pior: desafiou que mostrassem o contrário, que provassem que estava mentindo.
Por cerca de dez anos, ficou se mudando de comunidade para comunidade, conscientizando o povo e mostrando os podres da politicagem e das autoridades, e sempre tendo que sair forçosamente sair de onde queria apenas residir e trabalhar honestamente. As pessoas confiavam na sua palavra e sabiam que era tudo verdade o que dizia, mas só ia até aí, pois continuavam submissas e pobres de encorajamento.
Um dia refletiu profundamente e concluiu que seria inútil continuar com aquela luta vã, pois precisava deixar de ser perseguido e fixar residência duradoura em qualquer lugar. Assim, a partir daquele instante não utilizaria mais da ponta do seu lápis verbal. Contudo, o outro homem que seria jamais foi visto ou encontrado. Pois o outro homem que seria jamais foi visto e encontrado. Jamais encontrado...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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