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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 19 de maio de 2010

ADEUS MENINOS! (Crônica)

ADEUS MENINOS!

Rangel Alves da Costa*


Hei de dividir o último canto que existe em mim com os que têm a minha idade, já que sou velho e menino, antigo e na primeira idade; quero gritar da montanha para que ouçam os que cresceram comigo, brincaram comigo, viveram a mesma inocência e sonho, sorrindo pela vitória e entristecidos pela impossibilidade, já que sou idoso e jovem, cansado e remoçado; quero escrever o último versículo como se dedicado fosse à pureza dos meus amigos, à vontade de viver dos meus meninos, as lutas que haverão de vencer os meus adolescentes, pois somos todos iguais, eu muito velho e ainda novo e eles ainda meninos e talvez jamais idosos.
E por que quero dividir como todos estes meninos o meu último grito, minha invocação aos deuses da vida e minha imensa vontade de deixar-lhes por testamento uma lição chamada existência, tenho que dizer a eles da minha tristeza por tudo o que ocorreu e o que vem ocorrendo, pois jamais imaginei ter de dizer adeus tão cedo a eles.
Nem todos ainda se foram, muitos ainda estão por aí pela resistência do espírito e sabedoria da alma, porém outros abriram por conta própria uma cancela na estrada onde talvez nem possamos chegar mais perto e perguntar o porquê desse querer indesejado, vez que nasceram para viver e não para buscar a morte. Para estes, nada há fazer senão tristemente dizer adeus meninos!
Adeus porque ontem estavam aqui e eram alegres e sorridentes, felizes e cheios de planos, exploradores no mundo lindo a ser conquistado e conscientes do que realmente queriam alcançar, até que certas sombras que pairam sobre todos e atiçam o despertar das coisas ruins, põem em prova a resistência do espírito, igual serpente de falso paraíso para mandar que não façam isso mas aquilo, não vão por ali mas por lá, não fiquem sossegados e vão se arriscar no que não conhecem. Vão conhecer o medo para deixar de ter medo das coisas ruins e negativas para a vida.
Adeus meninos porque os seus pais já cansaram de avisar, pedir e aconselhar para que retornem da estrada porque ainda é possível voltar; porque eles e outros familiares deixam de enxergar os seus vultos todas as vezes que saem, que escondem e se trancam, se unem aos conhecidos de agora e parecem esquecer que a claridade da luz onde ficam ilumina somente a porta de tristeza adiante, a porta de dor adiante, a porta da morte adiante. Eles só queriam colocar sobre vocês a luz da verdade, a clareza da razão da existência, raios infinitamente bonitos sobre os seus corpos capazes da felicidade, da plena felicidade. Basta que saiam desse escuro meninos, que queiram ser enxergados meninos.
Adeus porque dou a mão e vocês não querem seguir comigo, porque dizem que no meu caminho tem uma pedra e que no outro caminho há uma pedra melhor, mais bonita e brilhante, que pode ser tocada, diluída e consumida, que pode levar ao êxtase e à fantasia, que faz viajar num instante e quer fazer conhecer outros mundos, através de passaportes que são outras pedras, outras pedras e mais outras pedras, e que na sala de embarque chamam de crack. E quantos passageiros estão embarcando, quantos estão indo nessa viagem. E agora pergunto meninos: quantos já retornaram?
Adeus meninos porque a balança da vida pesou bem do lado de suas fragilidades e vocês tombaram sem perceber, foram jogados e deixados bem ao lado de uma outra balança, que chamam balança de precisão, na qual é preciso pagar preço alto para dizer quantas gramas de morte querem ter.
Adeus meninos, porque ainda existem outros meninos que precisam caminhar, tomar seus rumos e viver, e preciso estar bem lado para dizer o que vocês não quiseram ouvir: no meio do caminho tem uma pedra e é preciso retirá-la da estrada para que outras pedrinhas insignificantes não se arvorem no direito de se espalhar para ferir de morte os que precisam viver.
Adeus meninos, pois na vida existem outros meninos que felizmente não haverão de seguir nesse trem, e é preciso encontrá-los para dizer o quanto é bom ficar, o quanto é bom viver!




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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