SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 20 de maio de 2010

ORVALHO NA TEMPESTADE (Crônica)

ORVALHO NA TEMPESTADE

Rangel Alves da Costa*


O que é o orvalho senão gotículas que se depositam durante a noite sobre qualquer superfície fria, principalmente nas folhas das plantas, nas pétalas das flores, nas vidraças e até nos nossos olhos entristecidos; condensação na forma de pequenas gotas de água que se formam na grama e em outros objetos pequenos perto do chão, geralmente durante a noite, quando a temperatura do ar está fria; vapor da água atmosférica que se condensa e deposita em gotículas, de manhã cedo e à noite, sobre qualquer superfície plana; chuva fininha, garoa, chuvisco, lágrimas das coisas que passam a madrugada e o amanhecer com saudade.
O chuvisco que vai caindo à noite e se deposita nos seres vai formando orvalho; o frio dentro dos corpos arrefece o espírito e vai formando orvalho; os corpos nus, desabrigados, desalentados, estendidos à própria sorte, se recobrem de orvalho; os olhos que desde o anoitecer vão se enchendo de saudades e mais adiante, quando a dor da solidão vai se espalhando, vão formando gotículas de tristeza que passam a orvalhar na face e no coração; quando a lágrima, mais forte e mais sofrida, ganha corpo e dolorosamente grita, é porque o orvalho vai sendo tomado por uma tempestade.
Quando do orvalhar, nas noites, madrugadas e manhãs silenciosas, os seres apenas esfriam sentindo a falta de algo, de alguém, de uma força alentosa ao seu lado que abrace, aqueça, conforte, passe a mão na pele macia, toque levemente na sua superfície, acaricie e rosto e beijo a pele, é porque a natureza dos seres e das coisas reflete silenciosamente suas angústias de abandono, desamparo e solidão. E tudo fica muito triste, numa vastidão de sentimentos escondidos, que só desaparecem quando o sol surge para esconder o orvalho que jamais deixa de existir, perene na alma, vivo nos sentimentos, como brisa molhada no coração.
Esse orvalhar bastaria para dizer da saudade e da solidão, mas nada parece suficiente para que a lágrima no pensamento fique somente no serenar, pois sempre vão surgindo as imagens cada vez mais fortes, as lembranças cada vez mais nítidas, a presença do outro invadindo o corpo solitário. Quem dera fosse somente assim, nesse acostumar levemente sofrer e ver chegar a manhã com suas esperanças de que o orvalho não comece novamente a cair logo após o sol ir embora, o dia escurecer e uma lua bonita faze chover nos olhos e suas vertentes.
E não adianta querer fugir desse orvalho, pois quanto mais o pensamento se retém às boas lembranças, a falta da felicidade vai se transformando em gotas e no horizonte do espírito vão se formando nuvens negras que trazem a tempestade. E as nuvens se abrem nos olhos que faíscam feito relâmpagos incandescentes e muitas vezes a boca, não suportando mais sufocar o nome do amor ausente, solta gritos de desespero que nada mais são que os trovões.
O orvalho se transformou em tempestade ou foi a tempestade que escondeu o orvalho sempre presente no espírito? É difícil saber qual a natureza das coisas depois que os seus elementos surgem com sua fúria. É apenas possível afirmar que as tempestades de alta intensidade, incidindo num corpo frágil pela solidão, não somente transforma a vida numa enxurrada, mas principalmente pode matar.



Advogado e poeta
email: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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