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segunda-feira, 10 de maio de 2010

SITUAÇÕES POÉTICAS DA VIDA? (Crônica)

SITUAÇÕES POÉTICAS DA VIDA?

Rangel Alves da Costa*


Aquela obra-prima do pintor expressionista Edvard Munch, intitulada "O Grito", mostrando um indivíduo em cima de uma ponte com as mãos no rosto e expressando um grito de profunda angústia, de espanto ou de aflição, representa uma situação poética da vida ou não?
Quem não se lembra daquela fotografia retratando um menino chorando e correndo nu pela estrada, com uma feição de gritante desespero e aflição, colhida em plena guerra do Vietnã, ou a fotografia famosa de Sebastião Salgado mostrando uma linda jovem de olhos bem verdes e bonitos, escondendo contudo as dores sofridas pela sua situação de mulher em pleno Afeganistão assolado por guerras e destruições?
Ou ainda os retratos estampados em todo o mundo mostrando as criancinhas africanas só com pele e ossos abandonadas em qualquer lugar e rodeadas por mosquitos? Os olhos enormes e profundos não deixavam, porém, saber se estavam vivas ou mortas. E as tantas e tantas fotografias mostrando inocentes crianças vitimadas pelas guerras, pela fome, pelo abandono, pela miséria?
Mas onde estará a poesia nessas fotografias de dor angústia e sofrimento? Onde estará o poético, bonito e alentoso nesses cenários de desilusão e destruição? Onde estará inserido o sentido do amor, da paz e da afetividade nessas imagens, para se dizer que o retratado é uma situação poética? Onde estará o prazer de se ver, de se ter, de se guardar como recordação?
Ora, o poeta brasileiro Augusto dos Anjos bebeu na fonte do filósofo pessimista Schopenhauer para expressar seus sentimentos poéticos. Para Schopenhauer, viver nada mais é do que sofrer; a vida é alicerçada na dor e somente quando o indivíduo está menos infeliz é que algum prazer fugaz e momentâneo surgirá.
Nesse passo, Augusto dos Anjos fez da sua arte uma declaração de amor ao sentimento trágico da vida: "Já o verme — este operário das ruínas —/ Que o sangue podre das carnificinas/ Come, e à vida em geral declara guerra,/ Anda a espreitar meus olhos para roê-los,/ E há-de deixar-me apenas os cabelos,/ Na frialdade inorgânica da terra!" (Psicologia de um vencido). Assim, na desilusão a construção da poesia. E por que, então, não considerar as imagens impactantes do sofrimento como expressões artísticas?
Não são somente as fotografias, contudo, que têm esse poder de dar feição artística e poética aos sofrimentos que assolam pelo mundo. Na literatura, a par de Augusto dos Anjos, muitos outros nomes poderiam ser citados. Fernando Pessoa era amargurado e triste e transpõe tais sentimentos para muitas de suas poesias. No Brasil, os poetas do romantismo não passavam de grandes pessimistas em seus escritos. O que dizer, então, de "Morte e vida severina", de João Cabral de Melo Neto?
Na prosa modernista, mesmo não pretendendo uma literatura de dor e sofrimento, Jorge Amado bem que cuidou de retratar realidades que, de tão cruas e cruéis, chegam a ser verdadeiramente gritantes aos sentimentos, como ocorreu no romance Capitães da Areia: "Quanto tempo durará ainda a escuridão? E a agonia de Dora? O cheiro do barril é insuportável. Dora agoniza ante seus olhos. Será que ele agoniza também?". E alguém já leu e se envolveu com "Éramos Seis", de Maria José Dupré?
O pintores Portinari e Picasso também produziram obras de pura reflexão dolorida. Na série de pinturas denominadas "Os Retirantes", o brasileiro Portinari procura mostrar os horrores e as dores das secas nordestinas, a fuga das famílias, a pobreza nas vestes e a desilusão nos olhares, a mãe chorosa com o filho pequenino morto nos braços. O espanhol Picasso faz emergir nas suas telas os impactos da guerra civil espanhola, dando um sentido abstrato ao que era mais que uma realidade de sofrimento e destruição. A sua Guernica é isso, o espanto com os horrores da guerra. Neste aspecto, há de se observar que a pintura e a fotografia estão no mesmo patamar do retratar com fidelidade as situações propostas.
Quase ninguém fala mais do autor, mas é impossível esquecer das histórias contadas por José Mauro de Vasconcelos. Pois bem: haverá um só escrito seu que não esteja carregado de sentimentalismos, angústias, tristezas e desilusões? Mesmo pretendendo retratar situações rotineiras, familiares, de cunho quase infanto-juvenil, o que consegue Vasconcelos é fazer com que o leitor chore ou tenha vontade de chorar a cada página que lê. Quem não lembra de Zezé e o seu pé de laranja lima: "Já cortaram, Papai, faz mais de uma semana que cortaram o meu Pé de Laranja Lima".
Mas são situações angustiantes, difíceis de se aceitar, alguém poderia dizer. Não. São apenas retratos poeticamente tristes de uma realidade verdadeiramente triste. E são apenas feições, exemplos e relatos dessa arte chocante que é a vida.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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