SIRICUTICO E SIRICUTACA
Rangel Alves da Costa*
Jamais existiu em todo o reino animal, no imenso e variado grupo das aves, dentre todas as espécies de passarinhos, um casal mais bonito, mais enamorado, mais cúmplice, mais unido, mais amante, mais feliz, mais tudo, do que o par maravilhoso formado pelo Siricutico e pela Siricutaca.
Parentes próximos – e até primos -, mesmo essa linhagem familiar, essa genética correndo pelas veias, nunca impediu que sempre se mostrassem a própria personificação do amor no reino dos passarinhos, dos voadores, daqueles que fazem dos ninhos moradias de felicidade.
Não eram pequeninos como o beija-flor ou grandes como a avestruz, nem eram de penas tão enfeitadas como o pavão, mas eram simplesmente lindos. Os cantos, os gorjeados, os trinados e as melodias, cada uma para uma situação diferente na vida passarinha, como o acasalamento, a satisfação, a saudade e a angústia, eram famosos e por demais comentados por todas as florestas, matarias e arbustos.
Siricutaca e Siricutico moravam bem no alto de um jatobá, num ninho construído na convergência de galhos e um pouco escondido pelas folhagens. O ninho, bem maior do que os outros por ali espalhados, porque construído para abrigar família, era todo feito de gravetos, palha fina, fios de cabelos, linhas, penas de outras aves e tendo por base um pouco de barro para proporcionar maior firmeza e sustentação.
Siricutaca ficava a maior parte do tempo dentro do ninho ou arredores. Orgulhosa de sua penugem num misto de marrom, vermelho e negro, com porção embranquecida próxima aos olhos, permanecia o maior tempo ajeitando o ninho, cantando, colhendo alimentos nas proximidades e preparando o leito para o retorno do seu amor. Ainda não tinha filhos, mas num cantinho do ninho estavam alguns pequeninos ovos que logo logo se transformariam em vidas passarinhas. A primeira fêmea iria se chamar Siricuta e o primeiro macho receberia o nome de Siricuto. Tudo combinado com um pai extremamente feliz.
Siricutico saía do ninho logo cedinho e permanecia distante deste por um bom tempo, mas de duas em duas horas era certo dar uma passadinha pelo seu lar, para rever seu amor, procurar saber como andavam os ovos, trazer alimentos e verificar se algum passarinho enxerido estava passeando ao redor. Ademais, sabia que gaviões malvados gostam de atacar os ninhos quando menos se espera. Somente ao entardecer, quando o sol se avermelhava muito para depois sumir, é que ele retornava para permanecer no se lar durante o restante do dia até a manhã seguinte.
Quando Siricutico voltava todo contente, convidava sua Siricutica para passearem por outros galhos e ficar apreciando a natureza ao redor, cantando bem alto e felizes. Muitos outros passarinhos vinham juntar-se a eles e formavam uma verdadeira orquestra de cantos, para alegria e contentamento de homens, bichos e plantas. Mas numa tardinha, assim que chegaram num galho bem alto da árvore, sentiram que naquele instante não poderiam cantar e ficaram entristecidos e temerosos pelo que viram adiante, se formando nas nuvens negras que se aproximavam ruidosamente.
Tudo escureceu num instante, trovões estridentes começaram a ser ouvidos e relâmpagos cortavam os céus; aquilo que caía não era chuva, mais parecendo um dique que se arrebenta das nuvens e vai caindo tudo de vez, molhando e destruindo tudo que encontra pela frente. Não tiveram nem tempo de entrar no ninho para se abrigarem, quando viram os ovos despencando e gravetos sendo arremessados por todos os lados. A moradia estava totalmente desfeita e quando Siricutico procurou enxergar Siricutaca ao seu lado, nada encontrou, a não ser uma imagem triste de penas que iam sendo levadas pela ventania numa velocidade imensa. De repente não pode enxergar mais nada, cheio de dor e angústia, completamente perdido na noite de temporal avassalador.
Um ano se passou desse lamentável episódio. Siricutico nem parece mais o passarinho de antes. Entristeceu, envelheceu, recolheu-se na solidão dos que fazem tudo para encontrar qualquer motivo para a felicidade e não conseguem mais qualquer alento. E a única coisa que ainda consegue trazer um pouco de vivacidade ao seu coração de pássaro ferido é quando começa a ouvir, todo entardecer, lá no galho bem alto, o canto do seu amor que não mais está ali.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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