VOCÊ CHORA LÁGRIMAS?
Rangel Alves da Costa*
As lágrimas não surgem nos olhos, apenas os transpõem, e são afloradas com a sutiliza de serenos pingos de água ou gotas inocentes de chuva que vão se derramando em pequeninas porções líquidas de micro-partículas de sentimentos. Feito átomos, que são formados por partículas de moléculas e formam as matérias, as glândulas lacrimais quando resolvem aparecer nos olhos como corpúsculos que se propagam em ondas de emoções, vão mostrando verdades e formando certezas que o coração expressa, mas a boca não consegue dizer.
O choro verdadeiro, aquele que reflete o momento de dor ou intensa alegria, é a expressão de sentimentos mais pura que existe; o chorar, enquanto expressão facial, é sentimento gritando suas razões, explicando seus temores, pronunciando suas perdas. Mas onde estará a voz do chorar senão na lágrima, no lacrimejar, no deixar escorrer pela face as vozes guardadas por dentro. Uma vez disseram ao coração que alguém muito querido foi embora para nunca mais voltar, e então imediatamente ele mostrou sua tristeza bem na fonte dos olhos de que tinha lhe avisado.
Mas os que choram não expressam esse sentimento igualmente. Existem, e a ciência bem que poderia afirmar isso, tantas formas de chorar quantos forem os motivos para o qual ele surja. E, consequentemente, haverá tantos tipos de lágrimas quantos forem as intensidades do sentir. Daí conclui-se que cada lágrima derramada não expressa necessariamente o modo como a pessoa que chora sentiu o impacto da situação que proporcionou essa chuva facial. Assim, muitas vezes, uma só gotinha de lágrima, minúscula e quase imperceptível, pode ser fruto de uma dor imensa e irremediável.
Lágrimas não são conceitos, são expressões. Conceitualmente a lágrima não é absolutamente nada diante da força que tem e de sua causa geradora. Por não ter um conceito absoluto, vez que a expressão dos sentimentos também é mais abstração do que compreensão, é que a lágrima pode ser muito mais concebida diante da forma como se manifesta visualmente: uma gota de lágrima, um pingo de lágrima, um tiquinho de lágrima, um chuvisco de lágrima, um reflexo de lágrima, um tantinho de água que surge no canto do olho para fertilizar as perdas e as conquistas.
Maria quando chora não derrama lágrima, mas sim gotas de sentimentos, como ela mesma diz toda tristonha. Luísa quando está em prantos não sente a lágrima rolar pela sua face, mas sim gotículas de um inverno de solidão, feito única estação no seu coração apaixonado e incompreendido. Paulo diz que chorou um pingo de raiva, dois pingos de rancor e mais três de perdão. João lacrimejou até dizer chega, porém negou sua fragilidade diante das coisas do amor e disse apenas que espantou do olho um cisco molhado.
Joaninha, que chorava passo a passo de alegria e de tristeza, dizia sempre que no dia seguinte o oftalmologista iria resolver o problema daquele filetezinho molhado que lhe causava tanta aflição. Mesmo com os olhos de comportas abertas e o rosto todo encharcado, Clara resolveu ser poética quando perguntaram os motivos de tantas lágrimas: você não está vendo lágrimas, mas apenas uma miragem de oásis no meu deserto.
Já Marina deu uma explicação mais que inusitada para o seu soluçar molhado: talvez você não entenda, mas o aquecimento global está derretendo as geleiras do meu coração, e por isso mesmo fico assim, transbordando nas margens do meu olhar ecologicamente insustentável.
Eu mesmo nunca chorei e nem sei o que são lágrimas. Mas também não sei porque esse lenço molhado, esse olhar nublado, esses olhos suados...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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