SER SERTÃO: DA ARTE DA FÉ E DA RELIGIOSIDADE – III
Rangel Alves da Costa*
Segundo afirmava o velho, a adesão cega à religiosidade foi um exemplo típico do fanatismo ocorrido com os seguidores de Antônio Conselheiro. Este homem, possuidor de muito carisma e fervorosa religiosidade, porém traumatizado pela miséria nos quatro cantos por onde andava, decidiu abandonar de vez a terra natal para se entregar à vida errante. Errante na mais pura expressão do caminhar sem destino certo.
Começou a fazer pregações nos ermos sertanejos por onde passava. Nesse percurso, ia construindo capelas, reparando cemitérios e atiçando ali e acolá a temência dos homens com relação às forças divinas. E aos poucos, por tais ações, foi sendo considerado um verdadeiro missionário de Deus naquelas plagas sertanejas. Logo se tornou comum o Conselheiro ser seguido por sertanejos desiludidos com as perseguições das autoridades constituídas e dos grandes proprietários de terras, os chamados latifundiários, coronéis de patente comprada e de muita força e homens ferozes ao seu lado.
Assim, junto a uma multidão de fanáticos percorreu, a princípio, o interior de Sergipe, fixando-se depois no alto sertão da Bahia, mais precisamente num velho arraial denominado Canudos. Neste local, sob a orientação do missionário, viviam em comunidade, plantando e criando rebanhos. Segundo afirma a maioria dos estudiosos, não havia patrões nem empregados, nem ricos nem pobres. Já outros tendem a afirmar a existência das mesmas mazelas existentes onde há divisão de classes.
Contudo, o poder do Conselheiro e a concentração de fanáticos e jagunços não deixavam de se caracterizar como uma situação temerosa para os habitantes daquele entorno agreste. A estranheza daquele povo ocasionava muitos receios entre as populações sertanejas e principalmente no governo, que não estava disposto a aceitar a formação de um estado independente, rebelde e com leis próprias, dentro do próprio Estado. Daí que o governo resolveu acabar de vez com aquela situação. Por isso mesmo é que, depois de vários combates e tentativas de aniquilamento daqueles rudes rebeldes, enfim o arraial foi destruído palas tropas federais em outubro de 1897. O próprio Conselheiro foi vitimado.
O fervor religioso, a devoção extremada, também se acercou do mundo dos fiéis do Padre Cícero Romão Batista, o Padim Ciço, primeiro no Juazeiro do Norte, no estado do Ceará, irradiando-se depois por todo o Nordeste. Humilde e virtuoso quando jovem pároco, o Padre Cícero foi conseguindo facilmente a simpatia e a confiança religiosa dos seus paroquianos. Em pouco tempo o seu prestígio estendeu-se por toda a região do Vale do Cariri e ultrapassou as fronteiras cearenses e as dos demais estados nordestinos.
Entretanto, os historiadores afirmam que o que o tornou uma personalidade histórica foi o fato de, ao ministrar a eucaristia a uma de suas devotas, a hóstia tornou-se cor de sangue. Esse fenômeno, tido como um verdadeiro milagre, passou a ser comentado e conhecido por todos os lugares, espalhando-se rapidamente e fazendo com que o religioso ficasse conhecido como milagreiro. E com o passar dos anos e a sua morte em 1934, aos 90 anos, o Padim Pade Ciço, como é conhecido pelos sertanejos, tornou-se verdadeira lenda na religião nordestina e conseguiu unificar em torno do seu nome toda a fé desiludida de um povo.
Como o Padre Cícero era também um político atuante, de grande força e prestígio nos currais eleitorais cearenses, muitos religiosos de ontem e da atualidade procuraram obstinadamente mirar-se nesse espelho. Como não podem fazer milagres, pois suas forças espirituais não vão além da força persuasiva, induzidora e enganadora que possuem, usam a igreja como uma chave que abra todas as portas para o maquiavélico jogo da política. Alguns são bem sucedidos, são eleitos, e aí é que outro milagre acontece: a hóstia transforma-se em chibata!
Quer ver coisa ruim, pessoa mais nojenta e abominável, é o dito religioso quando assume o poder político. Seja vereador, prefeito ou deputado, todo aquele eleitor que antes era tratado com toda a santidade, se por acaso necessitar pedir uma grama de veneno pra se matar ele vai dizer que fará aquilo com as próprias mãos se o desditoso retornar até ali para implorar qualquer coisa. Afinal de contas, o cargo que assumiu é caminho para roubar e não para ajudar.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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