SER SERTÃO: DA ARTE DE MENTIR – II
Rangel Alves da Costa*
Por ser fervoroso defensor das coisas certinhas, da verdade e do esclarecimento das questões duvidosas, nem todos no lugar apreciavam o jeito de ser do velho. Por trás, quando ele estava ausente, a central de puxa-saquismos da prefeitura começava a espalhar que nada do que ele dizia deveria ser acreditado, visto com algum fundamento de verdade. Ora, não passa de um gagá, de um velho que já não fala mais coisa com coisa, era o que diziam. Contudo, essas mesmas pessoas, assim que o velho se aproximava, pediam a benção, conselhos e tudo o mais. Que gentinha falsa da peste, insistentemente dizia Zé da Carroça.
Para o velho, o que importava mesmo era o que pensava sobre as coisas e pronto. Se o prefeito vivia com engodo e mentiras isso era problema dele, que o mesmo prestasse contas sozinho. Como gostava de dizer, sabia que muitas das verbas que chegavam para ser aplicadas pela prefeitura tinham o dom do sobrenatural, do misterioso, pois somente sendo assim é que poderiam reverter-se, transformar-se de uma hora para outra em dinheiro de pessoa física, pois eram depositadas na conta particular do prefeito, poucas vezes, e quase sempre nas contas de conhecidos insuspeitosos.
Quando falava sobre isso, o fazia com ironia, na chacota, só para ver se os outros buscavam entender o que pretendia dizer. Assim, falava que seria um exagero um prefeito tratar a coisa pública como a privada. E isso fica mais evidente, indubitável porque jamais alguém conseguiu provar que um administrador municipal possui altas quantias depositadas, tem somas aplicadas muito além do que pode ter com o salário que ganha.
Entretanto, de tanto fuxicar se o prefeito tem ou não tem, esquecem de perceber suas grandes realizações como administrador: um posto de gasolina em nome de um irmão, uma fazenda em nome de um primo, um supermercado em nome de um laranja, enfim, uma série de investimentos sociais, afinal ele é também um ser social.. Agora, dizer que ele desvia dinheiro para sua conta bancária é a maior mentira do mundo. Parecem esquecer do slogan de campanha: O homem das mãos limpas. Hoje a oposição acrescentou: Mãos e cofres limpos. E tem mais, pois quem disser que ele desvia dinheiro é ameaçado de ter de provar na justiça.
O pior de tudo é ver pessoas que matavam e morriam por um candidato e quando este ganha e torna-se um péssimo administrador, ter que suportá-las dizendo aos quatro cantos que sempre foram contra, que nem em sonhos votariam nele, que somente Deus sabe o quanto trabalharam, pediram votos e torceram para o outro candidato. Tudo mentira. Mas como essa dita tem pernas curtas, quando menos se espera são colocados todos os pontos nos "is".
È sabido que os ouvidos dos bajuladores de prefeitos possuem os maiores sonares do mundo, vivem captando qualquer conversinha a milhares de quilômetro. Nisto ocorreu que as palavras maldosas de um eleitor descontente chegaram ao conhecimento do bajulador número um, também conhecido como puxa-saco "cc". Indignado, tomando para si todas as dores, mesmo assim não quis imediatamente acreditar que aquilo pudesse ser verdade, e talvez não fosse mesmo porque conhecia a pessoa que diziam estar baixando o pau no seu protetor.
Logo fulano, que vivia na cozinha do prefeito lambendo os restos de comida, lavando os seus pratos, levando pacotinhos com sobras pra sua casa, puxando saco em troca de vintém, e agora só porque ele não deu o emprego que havia prometido, tem que estar falando mal dele; essa não, prefiro não acreditar. Mas vou acreditar assim mesmo porque agora todo mundo parece que se danou a falar do meu prefeitinho. Essa não, não vou admitir que manchem nem com perfume a imagem desse meu querido benfeitor. Tudo isso falava o bajulador com os seus próprios botões. E começou a chorar como se tivesse morrido alguém que gostava muito. Mas esse safado vai ver o que é bom pra tosse, concluiu ainda choroso.
No dia seguinte, quando o fulano estava sentado num bar com amigos, para um carro bem em frente e dentro dele se avista o prefeito e o bajulador. Com a maior falsidade do mundo, o eleitor fez gestos de contentamento e mostrou felicidade num sorriso que não tinha mais tamanho. E foi quando o prefeito, sem sair do carro, apontou e disse que era com ele mesmo que queria falar. O fulano nem bem levantou e o prefeito foi logo dizendo:
"Engraçado, eu quase perdia por causa do seu voto. Se soubesse que você tinha votado em mim convidaria agora mesmo para assumir um cargo na prefeitura, pois lá só dou acolhida a quem realmente votou em mim. Mas como não votou, o que se há de fazer?..." E o outro passou a falar assustado: "Mas prefeito, o senhor sabe que votei no senhor, juro por Deus, e até hoje, mesmo sem emprego, ainda confio e só falo bem do senhor".
E os colegas de bar ficaram sem entender nada, pois um segundo antes do carro parar ali o fulano estava esculhambando com o prefeito de tudo que era ruim. Disse até que o homem não passava de um ladrão safado. Os amigos tinham dúvidas se isso era mentira ou não, mas enfim...
continua...
Advogado e poeta
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