COMO SEREMOS LEMBRADOS AMANHÃ?
Rangel Alves da Costa*
As fotografias antigas que ilustram os livros de história, revistas e jornais, causam especial interesse porque refletem um tempo passado com suas características próprias, seus modismos, aspectos da vida cotidiana, paisagens que estão totalmente modificadas ou não existem mais, mas principalmente as pessoas com suas feições refletindo as características do seu tempo.
Debret retratou em aquarelas importantes aspectos da vida colonial, sobressaindo-se nas suas gravuras a vida dos escravos, as negras vendendo quitutes e doces e os cenários do cotidiano na corte. A mesma preocupação teve Rugendas com os sobrados, mocambos e paisagens. Posteriormente, quando as primeiras fotografias surgiram, é fácil observar as famílias ricas sendo retratadas em frente às suas construções suntuosas. Bigodes extensos, chapéus de todos os tipos, cartolas e fraques, vestidos longos importados da França para as madames, menininhos com roupas de marinheiro, menininhas com miniaturas das roupas das mães. O luxo em tudo, na residência, no mobiliário, no jeito de vestir e no porte aristocrático da família. Tudo isso é muito bonito de se ver, porém muito estranho diante do que se observa hoje em dia.
Debret e Rugendas retrataram com fidelidade artística aquele momento da história e que, naquele contexto, ainda não era história, era realidade. Do mesmo modo ocorre com as fotografias dos tempos antigos que os livros trazem para mostrar como eram aquelas realidades. Assim, ao ver o ontem retratado, a pessoa de hoje sempre ficará com a ideia de que tudo era muito diferente, desnecessário ser daquele modo, cafona, ultrapassado. A sensação que se tem é de certa esquisitice nas faces e no vestir das pessoas.
Muitos começam até a dizer que nos outros tempos a vida deveria ser insuportável com tanto conservadorismo e aquela seriedade em tudo que está retratado. Isto porque está havendo um confronto com o hoje e com a premissa de que o correto, o certo e o ideal é o que está sendo construído agora, usado, vestido e tido como padrão. Esquecem, todavia, que esse era o mesmo pensamento de ontem, comparativamente a um tempo mais anterior. As pessoas de ontem, que são vistas com estranheza hoje, também viam com estranheza os mais antigos. É um processo onde o presente será irremediavelmente negado no futuro.
Luz del Fuego causou verdadeiro impacto com o seu nudismo ao lado de sua inseparável cobra enrolada no seu corpo na Ilha do Sol. Era uma sem-vergonhice no século passado. Mulher de chapéu enfeitado e fumando cigarro com piteira era moda e das mais chiques; homens trajando terno de linho branco no cotidiano dos centros urbanos era mais que normal, tendo ainda o chapéu, a bengala ou o guarda-chuva. Quantas roupas, enfeites e geringonças usavam os nobres da corte? E as madames, com peças e mais peças que acabavam sempre deixando mais rechonchudas? Sabe-se lá quantas camadas de pó e outros cosméticos cobriam os rostos enrugados das velhas senhoras nas suas mansões? Havia um jeito próprio de ser elegante, de forma até exagerada, o que não tira o caráter de normalidade para cada época.
Aliás, houve um tempo que era normal andar nu e hoje em dia é crime.Quantos olhos já tentaram enxergar o rosto todo encoberto por véu da mocinha rica? A fotografia de Einstein com a língua estirada pra fora era para ser de ontem ou de hoje? Por que a cena de castração no filme Império dos Sentidos causou tanto impacto? Quantas fotografias de velhos cientistas alguém já viu sem que eles estivessem usando lunetas? Atualmente, se alguém tirar uma fotografia usando fraque, gravata borboleta e cartola todo mundo vai dizer que ou é fotografia artística ou o indivíduo enlouqueceu. Se as fotografias cheirassem, certamente que o odor da brilhantina se espalharia pelos retratos mais antigos; e os pós dos talcos formariam verdadeiras nuvens. Hoje a moda é ser básico, simples. Mas qual a razão de se afirmar isto?
Simplesmente porque vivemos um tempo e cada tempo representa um contexto com suas validades próprias. Os instantâneos de hoje significam aquilo que o indivíduo quer afirmar como sendo o máximo, vez que pela concepção do presente nada poderá superar esse instante. E logo se imagina que é impensável que, mesmo como todas as revoluções comportamentais que possam haver, nada poderá ser muito diferente do que é hoje, vez que o homem atingiu seu ápice de criatividade. Mas quem viver verá que, como parte de um processo histórico, muito do que é feito hoje será negado amanhã e o outro que viverá adiante construirá o seu tempo com a mesma certeza que estamos hoje.
Verdade é que seremos lembrados amanhã pelo que fizermos hoje. As fotografias e filmes que restarão como testemunhos dirão apenas sobre aparências, reflexos comportamentais e circunstâncias. Melhor seria que não restassem retratos de meninos abandonados, de misérias por todos os lados e nem de pessoas fingindo sorrir. Melhor seriam ações que fizessem com que as pessoas de amanhã, de depois e depois, pudessem dizer que fomos muito mais do que retratos amarelados e envelhecidos.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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