SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 13 de maio de 2010

NA VARANDA DO CASARÃO (Crônica)

NA VARANDA DO CASARÃO

Rangel Alves da Costa*


Era dono de muitas terras, de pastagens e mata fechada até onde nem imaginava; o rebanho que possuía não se contava com poucos números, incluindo puros de origem, gado de leite e de corte, cavalos de raças premiados em muitas exposições. As fazendas espalhavam-se por vários estados, mas tinha predileção por uma em particular, herança familiar e cuidada como se fosse a moradia de sempre.
Casarão antigo, todo feito na pedra e contornado em madeira de lei, daqueles de rara beleza colonial, passado de geração a geração, onde correu nos arredores quando criança e outro dia seus filhos se fartaram de pés descalços. Tinha mansões na cidade, prédios de luxo e hotéis, mas preferia estar ali no seu casarão todo pintado a cal, bem sentado na varanda imensa, na cadeira de balanço antiga, a mesma que balançou sua mãe e quem sabe sua avó.
Nas redondezas e onde chegava era chamado de coronel, não que algum dia tivesse tomado patente em qualquer corporação, mas pelo respeito que impunha pela sua riqueza e muitas terras. E nem se incomodava que chamassem assim, pois no passado já foi chamado de coronelzinho, filho do coronel Tertuliano, neto do coronel Benário, sangue de outras e outras patentes, reconhecimento e poder construído na luta e no suor, e outras vezes na bala e na força bruta. Naquelas extensões muito sangue dos seus estava espalhado, derramado um dia para que outros da mesma estirpe construíssem a dominação sobre terras, homens e vidas.
Filho único, nunca aceitou ir estudar na capital e teve que ser educado ali mesmo, com os professores mais renomados sendo contratados exclusivamente para afastá-lo do mundo da ignorância do analfabetismo. Se mais tarde não quis continuar os estudos, mesmo assim ninguém na região demonstrava saber mais do mundo dos negócios do que ele, sendo um investidor inteligente por natureza. Com essa sabedoria, fez da herança recebida um verdadeiro complexo agropecuário e empresarial, atuando em diversos ramos e se consolidando como uma das maiores fortunas do país. Mas era pessoa simples, apegado à família e ao lar. Enriquecia mundo afora, mas só se sentia bem no aconchego do lar.
Casou com moça pobre, bonita, recatada, com todas as virtudes de uma boa mulher. E esta lhe deu um casal belíssimo de filhos. Era um homem familiarmente feliz. Os negócios se expandido por todos os lados, mas ele continuando a morar ali no casarão da fazenda, em meio aos seus troféus, objetos de arte, móveis antigos de não acabar mais, coleções e mais coleções disso e daquilo. Tanta coisa e quanto mais coisa se adquiria mais o casarão parecia querer receber mais objetos. Era grande demais somente para duas pessoas, ele e a esposa, e mais cerca de dez empregados. Os filhos estavam na capital, doutores, casados, cada um tomando conta de um grupo das empresas do pai.
Ao entardecer, quando parecia que possuía um sol exclusivamente para levar os seus últimos raios para os horizontes que rodeavam o casarão, ele e a esposa sentavam na enorme varanda para conversar sobre a vida, olhar as paisagens e os bichos que passavam e dizer o quanto eram felizes mesmo naquela solidão a dois. Ela passava a mão sobre o braço do querido esposo e dizia que não trocaria nada no mundo pela alegria de estar ali ao seu lado naquela vida que Deus lhes permitiu. E mandava chamar a velha amiga cozinheira para cantarolar para os dois: "O vento bateu na palmeira, levou a tarde e trouxe o anoitecer, mesmo assim como era bom viver..." e cantava cantigas bonitas de doer no coração.
Numa dessas tardes de canções, prosas e afagos ela se despediu desse mundo. Ouvindo o cantarolar de música falando de coração, seu coração parou de bater de um instante pra outro. Isso já faz algum tempo, mas o velho coronel não arreda pé de seu entardecer na varanda, agora muito mais pensativo e mais triste, porém continuando a ouvir a voz da velha amiga cantar que "De que me adiante viver na cidade se a felicidade não me acompanhar...".
Pra que tanta riqueza, meu Deus, se a felicidade que queria ter não se pode comprar e tudo o que possuo é uma mente que vive prestando contas das coisas boas e simples que poderia fazer e não fiz, às vezes fica indagando de sua varanda. Quanto vale a paz, a alegria, o bem-estar, a felicidade de ter seu amor sempre ao seu lado, a certeza de que não seria abandonado pelo destino e pelas circunstâncias da vida? Toda essa riqueza não daria para comprar o significado espiritual dessa varanda, o balançar dessa cadeira de balanço, essa voz bonita cantando, o gado berrando, o passarinho que passa avoando, essa tarde e essa cor, essa vida e até seu dissabor. Balançando solitário na cadeira e essas coisas no pensamento.
Outro dia, mais cansado e mais triste, sentou na sua cadeira na varanda e começou a pensar na morte. E disse para si mesmo sorrindo: Ah!, essa não vale nada. Quem tiver essa coisa ruim que vá vender a outro, pois o dinheiro que tenho agora só vai ter serventia para comprar a vida. E gritou: Constança, a partir de hoje quero que esse casarão esteja sempre aberto pra meninada dessa região, quero que eles venham se alimentar, correr e brincar por aqui. Chame Maneco e mande construir um campinho bem ali, bem na frente dessa varanda, que quero ver essa gurizada brincando, correndo atrás da vida, até que a minha se vá mais feliz.




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: