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domingo, 16 de maio de 2010

SER SERTÃO: DA ARTE DA FÉ E DA RELIGIOSIDADE – II

SER SERTÃO: DA ARTE DA FÉ E DA RELIGIOSIDADE – II

Rangel Alves da Costa*


De vez em quando o velho interrompia sua explanação ao amigo para atender ao cumprimento de um e de outro, para olhar com mais atenção alguns gestos suspeitos nas pessoas que por ali iam circulando, afirmando irem à missa porém com intenções mais pecadoras do que propriamente religiosas. Em certo momento, cutucou o rapaz e disse baixinho:
- Tá vendo aquela ali, aquela mocinha chamada Marina, filha de Seu João da Lagoa Prateada, nunca foi tão religiosa como de uns dias pra cá. A menina não aparecia na missa de jeito nenhum, mas uma grande graça parece ter surgido na sua vida, pois ela não tira mais o pé da igreja de jeito nenhum, parecendo mesmo uma daquelas velhas beatas. Só que o mesmo milagre está acontecendo com o menino Julinho, pois os dois sempre vêm para a mesma missa, trocam uns bilhetinhos na entrada da igreja, e depois do dever religioso parece que vão rezar juntos. Tanto é assim que nem bem acaba o sermão e um vai saindo de fininho e não dura um minuto para o outro ir atrás, virando aquela esquina e só Deus sabe o versículo do dia que vão debater.
- E a esperança é que um dia os dois retornem à igreja como pessoas que se amam e que desejam casar. Felizmente ainda há o milagre do amor, pois nos tempos atuais só mesmo um milagre para salvar o amor – Disse o rapaz.
- Bela reflexão, bela reflexão, meu jovem – Conclui o velho, ajeitando-se no banco para dar prosseguimento ao que vinha dizendo:
Meu amigo, como estava relatando anteriormente, verdade é que o papel da igreja nunca foi este, nunca foi o de policiar a política e os políticos e nem de policiar a polícia. Alertar a sociedade, reavivar e fortalecer o senso e o sentido da cidadania e lutar pelos direitos das classes menos favorecidas não significa querer tornar-se vítima e vitimar também os fiéis em nome do poder, como se a igreja fosse partido político. Quantos padres não iludem o povo e saem do púlpito diretamente para a cadeira de prefeito ou de deputado. É isto, o que boa parte desses padrecos de meia tigela quer é tomar, a qualquer custo, o poder.
É abominável o que fazem, mas fazem, sem nenhum pudor nem ética pessoal ou religiosa. Aproveitam do escudo que protege secularmente a igreja, tornando-a inatacável, intocável, para deitarem e rolarem, ferir e não serem feridos, e assim alcançar a glória do poder político. Quando conseguem tal intento e a igreja ainda continua acolhendo no seu seio um homem de alma vendida ao coisa ruim, aí é que eles aproveitam da duplicidade de prerrogativas: de inatacável homem da igreja e de intocável líder político no exercício do poder. Nisto está a síntese de uma vergonhosa conduta que continua sendo aceita, abençoada pela igreja. Mas não seria de se esperar algo diferente de uma igreja que vive a chorar seus pecados.
Do seu lado, o sertanejo, até mesmo pela sua profunda natureza religiosa, tende a dar ofício de fé a tudo que é dito e feito pelos padres. Muitos deles cegam completamente, perdem qualquer senso crítico sobre as atitudes abomináveis do padre, tornam-se fanáticos pelos atos e atitudes do religioso, apaixonam-se completamente pelo dito mensageiro das palavras divinas. E isto passa tão forte, tão envolvente e demolidor que de repente o humilde sertanejo acha que todos os atos de sua vida estarão na dependência da aprovação ou não do homem de batina.
Desse modo, aqueles que antes se caracterizava, como beatos tementes a Deus agora se transformam em fanáticos temendo exclusiva e unicamente o "pastor de almas". Aí ele deita e rola, manda e desmanda. Se mandar a beata abandonar a família e o esposo para viver somente varrendo a igreja e limpando a sacristia, não haverá dúvida de que ela fará segundo o que foi ordenado. É uma verdadeira lavagem cerebral, só que na ideologia desses padrecos safadecos.
Foram-se os tempos dos bons pastores e de rebanhos verdadeiramente compromissados com a fé e a religiosidade. Fé como crença religiosa, como crédito e confiança nas doutrinas e nos verdadeiros princípios da igreja, como virtude pela convicção íntima na palavra de Deus, que se repassada com pureza da alma se torna em verdadeira voz. Religiosidade como um sentimento dos deveres que sirvam para expressar e cultuar a fé divina, reverenciando ou temendo o que considera sagrado.
Tais aspectos eram tão fortes e marcantes no passado que, em muitos casos, verteu-se para o fanatismo desproporcional, para a excessiva dedicação religiosa. Aí já é a cegueira pela crença, é o despir a razão para vestir a loucura e a cegueira. Lembra dos seguidores do Conselheiro, meu amigo? Pois é, de repente já não sabiam mais porque lutavam e pelo que deveriam morrer.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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