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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 11 de maio de 2010

POESIA DA PEDRA (Crônica)

POESIA DA PEDRA

Rangel Alves da Costa*


Ela está no meio do caminho, escondida ou visível por todos os lugares, impedindo a passagem dos que têm pressa de chegar, como pavimento para ruas e avenidas, sendo jogada pelos doidos, arremessada pela criança no passarinho, dentro do sapato de muita gente, solitária no meio do jardim florido, como esconderijo para bicho e gente, rolando morro abaixo e vitimando pessoas, fazendo tropeçar os desatentos e sonhadores, sinalizada como ponto de referência, servindo de assento para os namorados ao entardecer, vindo de encontro à vidraça inocente, molhada pela água do rio, de origem desconhecida, marcada por inscrições pré-históricas, cheio de lodo e das marcas do tempo, estendida enorme lá em cima da montanha, sendo motivo para poesia e música, inocentemente destruindo, ferindo, matando, cedendo lugar ao progresso e ao homem que vai passar. Eis a pedra...
A pedra é silenciosa e triste; é solitária e quase sempre abandonada, mesmo que esteja ao lado de uma pedreira; é revoltada pela acusação de ser inflexível demais; é carente de mãos que lhe afaguem sem sentir aspereza; é triste porque é quase sempre utilizada para ferir pessoas, mesmo que tudo faça para ser desnorteada pelo vento; é magoada porque são poucos o que veem sua utilidade e fazem disto uma forma de lhe proporcionar um tratamento melhor; é revoltada porque as pessoas passam ao redor, pisam e chutam, sem ao menos se aterem com outro olhar e gestos para sua existência.
É angustiada porque fala e grita e ninguém quer ouvir, e só é sentida quando lhe culpam pelo tropeço ou a dor; é misteriosa porque desde o anoitecer ao amanhecer, desde os mais longínquos tempos, testemunha a vida e a morte sem nunca morrer pela idade; é melancólica porque a poeira e as marcas do tempo caem sobre si magoando e ninguém quer ouvir seu soluçar ou enxugar suas lágrimas. Certa vez uma pedra se jogou lá de cima do mais alto dos morros, não suportando mais a solidão, e mesmo assim o que fizeram foi implodir os seus restos já mortos.
A pedra, por mais que não queiram ver, sentir ou reconhecer, está em tudo e em todo lugar. Toda construção tem início com o assentar da pedra fundamental; as fortalezas medievais eram fortificadas na pedra bruta; na pedra são esculpidas obras de arte, esculturas e pedestais; os egípcios, incas, astecas, maias e outros povos são civilizações da pedra; existiu uma idade da pedra; o meteorito cai como pedra gigante; inscrições rupestres feitas na pedra contam a história dos primeiros homens que habitaram sobre a terra; o fogo surgiu também da fricção de pedra na pedra; antes dos canhões a arma era a pedra arremessada da catapulta.
Dizem que o jovem Davi venceu o gigante Golias quando arremessou uma pedra certeira na sua cabeça; a pedra está no sal, no cimento, no vidro, no mármore, no granito, na cerâmica; a pedra é preciosa no diamante, nas granadas, nas turmalinas, nos topázios, nos enfeites que embelezam a vida e o corpo. A Pedra é do Reino e de Suassuna. Aleijadinho deu vida à pedra-sabão; os alquimistas sonharam com a pedra filosofal; o museu guarda a Pedra de Roseta. Quando estamos com paz de espírito temos um sono de pedra. Atire a primeira pedra aquele que nunca pecou por amor; e pelo amor demais se tira até leite de pedra. Nos sonhos, atirar pedra é ofensa, receber pedrada é injustiça, pedra preciosa é vaidade. O homem que era de pedra chorou...
A pedra bruta e arrogante, de estirpe insensível desde a pedra lascada, friamente olhou para outra pequenina pedra jogada no meio do mato, que estava calada e calada ficou, por obediência à natureza e porque era pedra. Teve apenas vontade de desfazer em areia, depois virar pó para que o vento forte passasse e levasse ela para bem longe, para um lugar onde as pedras renascem e depois são transformadas pelo amor, que é no coração...
Talvez muita pedra tenha razão, e por isso mesmo queira ser dura, fria, estática. É uma resposta aos que a vê apenas como corpo duro e calcário que forma as rochas; corpo sólido extraído da terra ou batido de rochedo; matéria mineral dura e sólida, da natureza das rochas; nome popular para todos os constituintes sólidos da crosta terrestre. Melhor seria ser música, "como as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar" ou poesia, pois, "no meio do caminho tem uma pedra, tem uma pedra no meio do caminho".
Enquanto isso, fico me perguntando quem atirou a pedra que quebrou o meu espelho. Hoje não pude ver refletida minha face triste, agonizante como a rocha dura que se vai partir...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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