REVOADA
Rangel Alves da Costa*
Não seria nem preciso dizer que era amanhecer bem cedinho, que acordou, levantou e abriu a porta e as janelas para o sol entrar. Não seria nem preciso afirmar das cores maravilhosas da manhã, dos raios multicoloridos de um sol que parecia mais próximo e mais ardente, porém sem ser por isso mais quente, da alegria rebuliçosa do vento contente a soprar, dos sons encantadores vindos de todas as brechas e cantos e que são próprios dos diálogos da natureza. Nem seria preciso dizer da sua intensa felicidade, do seu contentamento, do prazer imenso em querer fazer desse dia o dia mais lindo e feliz do mundo.
Mas será preciso dizer do sonho viagem da noite inteira, das paisagens de árvores, galhos, folhagens e ninhos, dos pássaros de todos os tamanhos e espécies, dos seus gorjeios, cantos, chilreados e pios, das suas asas apressadas e velozes fazendo rodopios e voejando em círculos, indo e voltando, formando nuvens e planando pelo seu quarto, pela casa, pelo jardim, pelo telhado, ultrapassando os cobertores, por dentro das suas vestes, entrando pela sua boca, se instalando pelo seu organismo e depois fazendo volteios, começando o percurso da volta, como numa revoada bonita, mas ao mesmo tempo instigantemente assustadora.
A noite inteira com essa passarada de sonhos não deixara o corpo cansado. Todo aquele meio adormecer meio voar, meio seguir nas asas dos pássaros, pelo contrário, parecia haver deixado o espírito mais leve, como realmente estava naquela manhã também leve e radiante. Com o tempo bonito lá fora, resolveu olhar aquele azul verdejante do pequeno pomar da casa, em meio aos pés de graviolas e carambolas, goiabeiras e jabuticabeiras, pertinho de cactos nativos, roseiras, tulipas e orquídeas do cerrado.
Que natureza encantadora, que bela manhã e que lindo dia prometia ser. Com os olhos subindo pelos galhos mais altos e alcançando o céu, pôde enxergar lá no alto as nuvens que passeavam inocentes, branquinhas e todas contentes, e no meio delas surgindo uma nuvem diferente, que se movia com velocidade e se aproximava como se quisesse chegar até onde estava. E era uma nuvem diferente sim, com muitas cores e formas específicas, formada por pássaros que chegavam velozes em revoada.
Poucas coisas na natureza são tão belas como a revoada de pássaros, com as pequenas aves irmanadas num só objetivo e voando em grupo, cortando os céus e vencendo as ventanias, para chegar ao destino. Nos pássaros, a revoada não significa que as andorinhas, estorninhos, pardais, azulões e canários, dentre outras espécies, estejam simplesmente passeando pelos quatro cantos do horizonte, mas possui o significado retorno, do regresso, da volta para os seus lugares de origem, pois revoada pressupõe voltar aos locais, sítios e ninhos da partida. Ora, se durante toda a noite e madrugada estes mesmos pássaros estiveram presentes nos seus sonhos, agora estavam retornando para completar o que vagamente havia sonhado.
Assim, a nuvem carregada de pássaros em revoada foi se aproximando com sons ensurdecedores e ao invés de os passarinhos planarem sobre o pomar e irem pousando sobre as árvores, plantas, cercas e arames, todos seguiram simultaneamente para a porta e as janelas abertas da casa, deixando para atrás apenas resquícios de uma ou outra penugem pelos ares. E o rapaz correu para casa e assim que entrou não conseguiu avistar um pássaro sequer. Entrou pelos quartos, salas, varandas, olhou debaixo e dentro dos móveis e nada. Nem o seu sabiá de estimação estava mais na gaiola.
Passou o dia inteirinho pensando no ocorrido, na revoada dos pássaros e na nuvem que havia sumido. Quando a noite chegou, cansado de tanto pensar sem encontrar respostas, deitou, logo adormeceu e sonhou. E foi então que desvendou o mistério: deixou que voassem os pássaros do sonho de ontem e por isso eles haviam retornado em revoada para que pudesse sonhar novamente.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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